Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

Desconfiar das esmolas

Chamam-lhe, em geral, "conta-ordenado", e cria ainda para muitos a ilusão de dinheiro grátis com saldos antes do depósito do ordenado.

  • 2
  • ...
"42 por cento dos que utilizam com muita frequência o descoberto bancário não sabem os encargos associados."
Banco de Portugal, Relatório do Inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa


Chamam-lhe, em geral, "conta-ordenado", e cria ainda para muitos a ilusão de dinheiro grátis com saldos antes do depósito do ordenado. Poucos têm a noção da elevada taxa de juro que pagam.

O descoberto bancário, denominação técnica das ditas contas-ordenado, é oferecido pela esmagadora maioria dos bancos, e quando surgiu foi vendido como a última maravilha da finança.

Há anúncios do já não existente Banco Fonsecas e Burnay que ainda se ouvem na RTP Memória, em programas como o de Herman José, onde a conta-ordenado era apresentada como uma forma de ter acesso mais cedo ao ordenado, sem qualquer referência aos custos dessa facilidade.

Outros tempos, em que tudo era permitido com o beneplácito das autoridades de supervisão. E que têm aí a origem de alguns dos problemas de endividamento que as famílias portuguesas enfrentam hoje.

Hoje tenta combater-se o que foi, em parte, o resultado da iliteracia financeira da esmagadora maioria da população. Um desconhecimento que foi tardiamente reconhecido mas que dá bem o retrato do pouco que os portugueses sabem de finanças.

De acordo com o inquérito à Literacia Financeira da População Portuguesa publicado pelo Banco de Portugal (e que pode ser encontrado no portal do cliente bancário), 25% dos inquiridos declararam que a sua conta permite o descoberto bancário. Destes, um quarto usa essa possibilidade com alguma frequência, sem que 40% deles conheçam os encargos que suportam por isso. No conjunto total dos 25% dos inquiridos que dizem ter uma conta-ordenado, 43% não conhecem os seus encargos. Um desconhecimento que é superior ao que foi obtido quanto ao valor da taxa de juro dos cartões de crédito (29%) e para outros tipos de empréstimos (22%).

Na edição em papel de hoje e no site do Negócios, pode saber quanto custa usar a conta-ordenado em alguns dos mais importantes bancos portugueses. Claro que a subscrição de uma conta bancária que dê a possibilidade de descoberto - ou seja, de obter crédito de curto prazo - tem vantagens, como isenção de comissões de manutenção ou sobre as transferências. Mas o uso do crédito envolve o pagamento de juros que variam entre 11,8% no BPI e 19,8% no Santander Totta, além do pagamento do imposto de selo.

Os produtos financeiros têm os segredos de qualquer outro tipo de consumos. A regra de todas as regras é que não há almoços grátis.

Quem acreditar que lhe estão a dar dinheiro só pode ser ingénuo. A partir daí, é só saber quanto se vai pagar pelo uso do dinheiro em termos anuais - porque há ainda a ilusão de ser pouco, quando na realidade, anualmente, é bastante. O ideal é mesmo ter conta--ordenado para ganhar as isenções e não usar o descoberto.

Para muitos de nós, é preciso recordar o velho ditado popular: "Quando a esmola é muito, o pobre desconfia." Desconfia e, nas contas a descoberto, tem de fazer contas.


helenagarrido@negocios.pt
Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio