Opinião
Demónios
Para os europeus meterem respeito ao mundo será preciso que a União Europeia faça arma comum das energias de cada um sem as deixar retomar a veia fratricida que desta vez nos deitaria, a todos, por terra.
Para os europeus meterem respeito ao mundo será preciso que a União Europeia faça arma comum das energias de cada um sem as deixar retomar a veia fratricida que desta vez nos deitaria, a todos, por terra.
"Quem é o Senhor Schäuble? Quem são estes finlandeses? Quem são estes holandeses? Eu orgulho-me de ter lutado sempre pela democracia grega e pela democracia europeia" assim se indignou há dias o Presidente da República Helénica. Políticos finlandeses e holandeses e o ministro das finanças alemão tinham dado a entender que veriam sem preocupação de maior a saída da Grécia da zona euro, e Schäuble, além disso, recomendara publicamente a Atenas formar governo tecnocrático, sem políticos. Foi a gota d’água que fez transbordar o barril de paciência de Karolos Papoulias, resistente à ocupação alemã da Grécia era ainda rapaz pequeno, anti-estalinista durante a guerra civil que dilacerou a seguir o país, exilado (na Alemanha Federal) durante a ditadura dos coronéis de 1967 a 1974, duas vezes ministro dos estrangeiros e presidente desde 2005.
Em muitas capitais da Europa as suas perguntas caíram bem a quem ouviu nelas a dignidade ofendida de todo um povo. Com efeito, exasperados por anos de aldrabices nas contas e de perdularidade irresponsável dos gregos, alguns chefes políticos e forças vivas do Norte da Europa, perigosamente esquecidos da História (e do papel que os seus bancos desempenharam nas dificuldades financeiras actuais do Sul da Europa) atiraram-se à Grécia num ‘Mata! Esfola!’ populista e moralista, pouco comum em tempo de paz. Ora maniqueísmo assim não tem razão de ser. A Europa pacífica, estruturada e unida de hoje foi fundada e continua a ser construída sobre os escombros de 2.000 anos de massacres recíprocos. Pego apenas nalguns, seguindo o lamiré dado pelas perguntas retóricas do Presidente grego.
Os finlandeses, durante a Guerra Fria, foram neutros não por não quererem entrar para a OTAN (como os suecos) mas por não quererem entrar para o Pacto de Varsóvia; antes disso bateram-se heroicamente contra os russos. Por tudo isso os admiramos mas esquecemos que durante a Segunda Guerra Mundial foram aliados militares eficazes da Alemanha nazi.
Os holandeses (os heróis de Srebrenica em 1995) quando da ocupação alemã de grande parte da Europa durante o regime nazi, foram de todos os países ocupados aquele cujas autoridades mais disponíveis e eficientes se mostraram na caça aos judeus por conta do ocupante que depois os mandava para campos de extermínio. Excepcional, no caso de Anne Frank, foi o talento da rapariga martirizada e a coragem de quem salvou os seus escritos. A denúncia, essa, era moeda corrente.
Quanto aos alemães, Helmut Schmidt, Chanceler de 1974 a 1982, continua a exortar os seus compatriotas, lembrando-lhes que a Alemanha não se redimiu ainda do pecado nazi. Estava quase a chegar lá quando reacções alemãs aos desmandos gregos acordaram demónios.
Por tudo quanto é Europa outros demónios dormitam. Para os europeus meterem respeito ao mundo será preciso que a União Europeia faça arma comum das energias de cada um sem as deixar retomar a veia fratricida que desta vez nos deitaria, a todos, por terra.
Embaixador
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"Quem é o Senhor Schäuble? Quem são estes finlandeses? Quem são estes holandeses? Eu orgulho-me de ter lutado sempre pela democracia grega e pela democracia europeia" assim se indignou há dias o Presidente da República Helénica. Políticos finlandeses e holandeses e o ministro das finanças alemão tinham dado a entender que veriam sem preocupação de maior a saída da Grécia da zona euro, e Schäuble, além disso, recomendara publicamente a Atenas formar governo tecnocrático, sem políticos. Foi a gota d’água que fez transbordar o barril de paciência de Karolos Papoulias, resistente à ocupação alemã da Grécia era ainda rapaz pequeno, anti-estalinista durante a guerra civil que dilacerou a seguir o país, exilado (na Alemanha Federal) durante a ditadura dos coronéis de 1967 a 1974, duas vezes ministro dos estrangeiros e presidente desde 2005.
Os finlandeses, durante a Guerra Fria, foram neutros não por não quererem entrar para a OTAN (como os suecos) mas por não quererem entrar para o Pacto de Varsóvia; antes disso bateram-se heroicamente contra os russos. Por tudo isso os admiramos mas esquecemos que durante a Segunda Guerra Mundial foram aliados militares eficazes da Alemanha nazi.
Os holandeses (os heróis de Srebrenica em 1995) quando da ocupação alemã de grande parte da Europa durante o regime nazi, foram de todos os países ocupados aquele cujas autoridades mais disponíveis e eficientes se mostraram na caça aos judeus por conta do ocupante que depois os mandava para campos de extermínio. Excepcional, no caso de Anne Frank, foi o talento da rapariga martirizada e a coragem de quem salvou os seus escritos. A denúncia, essa, era moeda corrente.
Quanto aos alemães, Helmut Schmidt, Chanceler de 1974 a 1982, continua a exortar os seus compatriotas, lembrando-lhes que a Alemanha não se redimiu ainda do pecado nazi. Estava quase a chegar lá quando reacções alemãs aos desmandos gregos acordaram demónios.
Por tudo quanto é Europa outros demónios dormitam. Para os europeus meterem respeito ao mundo será preciso que a União Europeia faça arma comum das energias de cada um sem as deixar retomar a veia fratricida que desta vez nos deitaria, a todos, por terra.
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