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26 de Novembro de 2007 às 13:59

Crepúsculo

Um pouco por toda a Europa, as monarquias que restam sobreviveram quando se constitucionalizaram. Era, como foi, a única forma de fazerem parte integrante do regime democrático e de, tão importante quanto isso, o regime gostar delas. Na política, como na

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Juan Carlos I, ao fim de mais de 30 anos de reinado, protagonizou um incidente com um tipo que, sobre ser mal educado, é um demagogo encartado alimentado pelo cardume da comunicação social que vai atrás dele onde ele vá. Nestes tempos, miseráveis de valores, que atravessamos, a coisa teve uma repercussão desmedida. Milhão e meio de euros, foi quanto rendeu, em toque de telemóvel o “por que no te callas?”. A coisa tende a subir com “merchandising” alusivo sob a forma de camisolas. O problema é, todavia, muito mais profundo. E está em casa. Os ingredientes para uma crise institucional estão lá todos. Políticos, como o decorrente do estatuto da Catalunha que o rei não bloqueou, como as críticas que a direita lhe faz por causa das negociações com a ETA ou como o inusitado discurso na abertura do ano na Universidade de Oviedo que por todos foi visto como “sobreaquecido”. Familiares (e, em Espanha, portanto políticos) como o suicídio da irmã de Letizia ou a separação de Elena de Bourbón e Jaime de Marichalar, Duques de Lugo. E até satíricos, como as caricaturas dos príncipes das Astúrias na revista “El Jueves” e a consequente apreensão pelas autoridades do número da publicação. Tudo faz com que a pressão se abata sobre o rei. E o problema é que muitos espanhóis já se esqueceram que foi este o rei que os tirou da ditadura franquista e que resistiu à tentativa de golpe de Estado de 1982, protagonizada por um maluco que entrou nas Cortes aos tiros. Os espanhóis mais novos não têm essa memória histórica ou se a têm parece-lhes distante e menor face às recentes convulsões. A “monarquia de proximidade” que a Família Real de Espanha tão bem pratica não parece estar com a vivacidade de outros tempos. E o “pedido”, que jovens “turcos” da direita fazem para que Felipe substitua o pai, tem o sabor de um bombom cheio de veneno que pode ser fatal para o regime. Em qualquer caso, a monarquia espanhola atravessa, evidentemente, uma fase crepuscular. Sobreviverá enquanto Juan Carlos I for vivo? Talvez. Depois, no actual formato, dificilmente.

O mesmo se diga da Bélgica. O problema belga é antigo e tem como equação o número três: três línguas oficiais (neerlandês, francês e alemão), três regiões autónomas (Flandres, Valónia e Bruxelas), numa espécie de Alentejo mais a norte na Europa. Ninguém se entende e ninguém consegue formar governo há mais de 180 dias. A “balcanização” da Bélgica, onde quase tudo é artificial, deixou de ser um cenário distante para ser uma possibilidade preocupante. Quase 40% dos flamengos – que não precisa da Valónia para nada – quer a separação. E na Valónia – que precisa da Flandres em nome da economia – cresce exponencialmente o medo do desaparecimento do país. Perante isto a monarquia belga é, pura e simplesmente, omissa. Não era fácil suceder ao anterior Rei. Mas os cenários mais pessimistas foram já ultrapassados pela ausência do Rei em termos de soluções políticas. A “união” da Bélgica corre o risco de ficar reduzida à bolacha com o seu nome. E reinventar a Bélgica com esta omissa Família Real será uma missão tão espinhosa como pôr os flamengos a gostarem de falar francês. Restará revisitar o surrealismo de Magritte mas isso pouco serve para a felicidade de uma monarquia que já falhou e de um povo que um dia viveu numa terra que, então, teve o nome de Bélgica.

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