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15 de Novembro de 2006 às 13:59

Convicções

Rory Stewart tem 33 anos, é diplomata, escritor e escocês (não necessariamente nessa ordem). Soube eu da sua aventureira existência através do blog do jornalista brasileiro Sérgio d’Ávila ...

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Soube eu da sua aventureira existência através do blog do jornalista brasileiro Sérgio d’Ávila (sergiodavila.blog.uol.com.br), correspondente da Folha de São Paulo nos Estados Unidos, com estadias – pacíficas e não – no Médio Oriente. Mas, de volta a Rory Stewart (rorystewartbooks.com/index.htm), foi representante diplomático britânico em Montenegro depois da guerra dos Balcãs, e, desde então, meteu-se-lhe na cabeça a ideia de que devia pôr as suas capacidades a serviço da reconstrução de um país. Em 2003, pegou um táxi em Amã, na Jordânia, e foi para o Iraque – isso depois de ter passado o conflituoso ano de 2001 a atravessar a pé um certo Afeganistão. No Iraque, valeu-se dos seus conhecimentos de persa e de árabe para negociar a libertação de gente raptada e acabou, nomeado pelas forças de ocupação, governador da província de Maysan, cargo que ocupou por 11 meses, ao cabo dos quais concluiu que a melhor ajuda que o mundo pode dar ao Iraque é deixar que os iraquianos se entendam: "Acreditei que iraquianos e estrangeiros poderiam trabalhar juntos para recompor a lei, acabar com o sectarismo. Em três meses, percebi que o meu trabalho deveria ser o de passar o poder aos locais e me concentrar no auxílio administrativo e económico. Três meses depois, percebi que nem isso. Em Abril de 2004, eles só nos queriam matar", disse Stewart a D´Ávila. E disse mais: "Depois que abandonámos aquela região à própria sorte, voltei a Nassiria, uma das principais cidades de lá, em Janeiro do ano passado. E estava em melhores condições do que quando saí". E conclui: "Os iraquianos querem ser deixados em paz".

Stewart sabe do que fala, e não sou eu quem o vai negar. Tento, isso sim, aprender com o que ele nos conta. Mas a primeira coisa que me passa pela cabeça é que, quando os iraquianos foram deixados, não ficaram em paz. A segunda é se os iraquianos alguma vez foram deixados em paz. A terceira é se alguma vez houve um Iraque - alguma entidade correspondente às fronteiras que o definem - que pudesse ser deixado em paz.

Desconfio dos complexos de culpa colonialista. Cada povo é servo de si mesmo, e pelos seus destinos cabe a última responsabilidade (o que quero dizer é que o povo iraquiano – se houver um povo iraquiano – tem a última responsabilidade em toda a história do Iraque – se houver um Iraque. Incluídos Saddam e, portanto, a actual ocupação). Mas não posso deixar de sentir o peso da Europa na origem de tantos e tantos conflitos em todo o antigo império europeu no mundo – na origem, por exemplo, das fronteiras que fazem o que hoje se chama Iraque. A questão é o que fazer com esse peso.

A guerra do Iraque iguala-se, desde já, à do Vietname no facto de tocar corações e mentes, de mexer nas convicções profundas de milhões de pessoas. N’ alguns, a ponto de, pelas convicções, matar e morrer; noutros, de maneira a matar convicções, sem nada pôr no lugar. Estou entre os últimos – e, a julgar pelo que os primeiros fazem de si e dos outros, ainda bem.
 
PS: Há uma convicção que em mim resiste, inabalável: estacionar em cima do passeio é feio. Muito feio.

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