Opinião
Convicções
Rory Stewart tem 33 anos, é diplomata, escritor e escocês (não necessariamente nessa ordem). Soube eu da sua aventureira existência através do blog do jornalista brasileiro Sérgio d’Ávila ...
Soube eu da sua aventureira existência através do blog do jornalista brasileiro Sérgio d’Ávila (sergiodavila.blog.uol.com.br), correspondente da Folha de São Paulo nos Estados Unidos, com estadias – pacíficas e não – no Médio Oriente. Mas, de volta a Rory Stewart (rorystewartbooks.com/index.htm), foi representante diplomático britânico em Montenegro depois da guerra dos Balcãs, e, desde então, meteu-se-lhe na cabeça a ideia de que devia pôr as suas capacidades a serviço da reconstrução de um país. Em 2003, pegou um táxi em Amã, na Jordânia, e foi para o Iraque – isso depois de ter passado o conflituoso ano de 2001 a atravessar a pé um certo Afeganistão. No Iraque, valeu-se dos seus conhecimentos de persa e de árabe para negociar a libertação de gente raptada e acabou, nomeado pelas forças de ocupação, governador da província de Maysan, cargo que ocupou por 11 meses, ao cabo dos quais concluiu que a melhor ajuda que o mundo pode dar ao Iraque é deixar que os iraquianos se entendam: "Acreditei que iraquianos e estrangeiros poderiam trabalhar juntos para recompor a lei, acabar com o sectarismo. Em três meses, percebi que o meu trabalho deveria ser o de passar o poder aos locais e me concentrar no auxílio administrativo e económico. Três meses depois, percebi que nem isso. Em Abril de 2004, eles só nos queriam matar", disse Stewart a D´Ávila. E disse mais: "Depois que abandonámos aquela região à própria sorte, voltei a Nassiria, uma das principais cidades de lá, em Janeiro do ano passado. E estava em melhores condições do que quando saí". E conclui: "Os iraquianos querem ser deixados em paz".
Stewart sabe do que fala, e não sou eu quem o vai negar. Tento, isso sim, aprender com o que ele nos conta. Mas a primeira coisa que me passa pela cabeça é que, quando os iraquianos foram deixados, não ficaram em paz. A segunda é se os iraquianos alguma vez foram deixados em paz. A terceira é se alguma vez houve um Iraque - alguma entidade correspondente às fronteiras que o definem - que pudesse ser deixado em paz.
Desconfio dos complexos de culpa colonialista. Cada povo é servo de si mesmo, e pelos seus destinos cabe a última responsabilidade (o que quero dizer é que o povo iraquiano – se houver um povo iraquiano – tem a última responsabilidade em toda a história do Iraque – se houver um Iraque. Incluídos Saddam e, portanto, a actual ocupação). Mas não posso deixar de sentir o peso da Europa na origem de tantos e tantos conflitos em todo o antigo império europeu no mundo – na origem, por exemplo, das fronteiras que fazem o que hoje se chama Iraque. A questão é o que fazer com esse peso.
A guerra do Iraque iguala-se, desde já, à do Vietname no facto de tocar corações e mentes, de mexer nas convicções profundas de milhões de pessoas. N’ alguns, a ponto de, pelas convicções, matar e morrer; noutros, de maneira a matar convicções, sem nada pôr no lugar. Estou entre os últimos – e, a julgar pelo que os primeiros fazem de si e dos outros, ainda bem.
PS: Há uma convicção que em mim resiste, inabalável: estacionar em cima do passeio é feio. Muito feio.