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Luigi Zingales - Professor de Finanças 06 de Julho de 2010 às 11:32

Contar com o Fundo Monetário Internacional

O maior pesadelo financeiro que paira sobre a economia mundial é a insolvência de grandes instituições bancárias.

O maior pesadelo financeiro que paira sobre a economia mundial é a insolvência de grandes instituições bancárias.

Seja devido ao incumprimento de uma dívida soberana ou devido a enormes prejuízos acumulados devido a normas de contabilidade permissivas, a insolvência de grandes bancos (em particular de um banco europeu) está longe de ser uma possibilidade remota. Mesmo que fosse uma possibilidade remota, a crise financeira de 2008 ensinou-nos que eventos raros podem acontecer.

O que torna esta possibilidade num pesadelo financeiro pior do que o colapso do Lehman Brothers em 2008 é o medo de que muitos Estados soberanos já tenham gasto todos os seus recursos e sejam, assim, incapazes de intervir. Os credit default swaps (CDS) dos principais bancos do sul da Europa negociaram a um valor ligeiramente inferior aos CDS dos seus Estados soberanos, o que o indica que o mercado não percebe que os últimos sejam capazes de apoiar os primeiros.


Infelizmente, quase dois anos após o colapso do Lehman Brothers, pouco tem sido feito para resolver este risco. O Congresso dos Estados Unidos está prestes a finalizar um projecto-Lei que dará a um conselho sistémico criado recentemente autoridade sobre as instituições financeiras norte-americanas. Os procedimentos para activar esta intervenção são, no entanto, complexos e o financiamento é tão opaco que não elimina os danos colaterais do colapso de um grande banco, tanto nas instituições norte-americanas, como internacionais, cujo colapso exigiria a coordenação de vários Estados, com diversos níveis de solvência.


Para minimizar os riscos de um colapso desordenado, é necessário aprovar um mecanismo internacional com autoridade sobre as principais instituições financeiras internacionais. O objectivo não seria resgatar os bancos e os seus credores mas minimizar os transtornos que um incumprimento poderia provocar.


Esta instituição deveria ser uma versão do Capítulo 11 do Código das Falências norte-americana. Mas enquanto o objectivo do Capítulo 11 é preservar o valor corrente de uma empresa, o objectivo deste mecanismo internacional seria preservar o valor corrente das contrapartes das instituições financeiras insolventes.


O primeiro problema a resolver para aprovar este mecanismo é saber quem deve ter esta autoridade. A resposta óbvia é Fundo Monetário Internacional (FMI).

Criado depois da II Guerra Mundial para financiar os desequilíbrios temporários dos membros de um sistema de taxa de câmbio fixa, o FMI tem estado à procura de uma causa desde o desaparecimento do sistema de taxa de câmbio fixa ligado ao dólar em 1971. Mais importante, é que através dos numerosos resgates de Estados soberanos, o FMI adquiriu experiência na reestruturação da dívida e, ao mesmo tempo, criou uma reputação de firmeza e imparcialidade, que seria muito útil nestas situações.
O FMI tem ainda a vantagem única de ser o único depositário de reservas internacionais. Na ausência de uma autoridade orçamental internacional, o FMI é a organização que está mais próxima de desempenhar este papel.


Quando uma grande instituição financeira está insolvente, o FMI deve assumir o controlo da instituição e garantir as suas obrigações de curto prazo, eliminado os accionistas e pagando aos credores de longo prazo apenas após ter pago a todos os outros credores (incluindo ao próprio FMI). Algumas pessoas poderiam argumentar que este procedimento é semelhante a uma nacionalização mas não é mais do que um processo de falência através do Capítulo 11.


O controlo por parte de uma organização internacional tem três vantagens face a uma solução nacional. Em primeiro lugar, garante que a comunidade internacional suporta o custo (se os prejuízos excederem o valor combinado do capital e da dívida de longo prazo) e não apenas o país onde essa instituição está localizada, tornando a intervenção credível mesmo quando o Estados soberano não o é.


Em segundo lugar, ao retirar o poder de decisão do governo do país onde se encontra a instituição insolvente, esta solução minimiza as potenciais distorções criadas pelo poder de pressão dos banqueiros. Confiaria no governo grego para administrar, sem corrupção, um banco grego controlado pelo executivo? O FMI seria uma melhor opção.


Por ultimo, graças ao envolvimento do FMI, mesmo os países menos avançados seriam capazes de aproveitar os melhores conhecimentos internacionais para resolver o problema. Se um enorme derrame petrolífero no Haiti estivesse a ameaçar o Golfo do México, não iríamos querer utilizar a melhor tecnologia (e não apenas a tecnologia disponível no Haiti) para o deter? Porque tem de ser diferente nos mercados financeiros?
O último problema a ser resolvido é o nível de activação.


No caso da autoridade norte-americana, esta tem sido uma questão muito controversa. O medo era que os bancos poderosos pudessem explorar a ajuda do governo federal, pedindo ajuda demasiado cedo.

Duas salvaguardas podem evitar este problema num contexto internacional. Em primeiro lugar, normas rígidas que eliminam os accionistas e castigam os credores de longo prazo são um claro elemento dissuasor do ponto de vista dos banqueiros. Em segundo lugar, como a intervenção do FMI iria reduzir a influência dos grupos nacionais poderosos, uma intervenção antes de tempo seria menos atractiva para eles. O nível de activação deveria ser dado pelo próprio governo. Recusar ajuda internacional nestes casos seria um suicídio eleitoral para qualquer governo que enfrente um grande colapso bancário.


Existem poucas áreas em que a intervenção do governo crie valor: reduzir os efeitos devastadores de uma corrida contra um banco é uma delas. Só um governo suficientemente poderoso, em termos de solvência e autoridade legal, o pode fazer infelizmente, na arena internacional estas condições quase nunca ocorrem em simultâneo. Dar ao FMI poder para assumir o controlo de bancos internacionais falidos poderia preencher este vazio - e eliminar o nosso pior pesadelo.

© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques


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