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Colocação de produtos na programação de TV

Quando confrontados com a manobra de traduzir um tele-documentário sobre José Mourinho chamado “The Special One” pelo slogan de uma campanha do BPI, “Ganhe Como Eu”, os responsáveis da RTP reagiram como ingénuos (”Quem, eu?! Foi sem querer!”). A ingenuida

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Quando confrontados com a manobra de traduzir um tele-documentário sobre José Mourinho chamado "The Special One" pelo slogan de uma campanha do BPI, "Ganhe Como Eu", os responsáveis da RTP reagiram como ingénuos ("Quem, eu?! Foi sem querer!"). A ingenuidade não convence ninguém.

É impossível escolher-se um título para um programa igual a uma campanha publicitária espalhada por todos os media e espaços públicos e fingir que foi por ingenuidade.

Este caso revela que a publicidade procura sempre novos caminhos para chegar aos consumidores. A punição à RTP é adequada, porque uma transacção como esta – vender o título de um programa – não está prevista no contrato entre emissor e espectador; tudo à sua volta é nebuloso: quanto se paga? Como? Como entra o dinheiro na contabilidade? Isto para não falar dos valores éticos, profissionais e económicos que são espezinhados: éticos porque se engana os espectadores; profissionais porque se alterou maliciosamente um trabalho de profissionais de televisão sem o seu conhecimento; económicos porque os autores do programa, a produtora inglesa e, quem sabe, o próprio Mourinho, teriam por princípio direito a "royalties" se o programa se intitulasse legitimamente "Ganhe como Eu".

Parecia termos voltado ao início da história da rádio e da televisão nos Estados Unidos, quando os anunciantes compravam programas e passavam a ter o seu nome. Havia a "Colgate Comedy Hour" ou a "Texaco Star Theater", na qual um coro de empregados estações de serviço cantavam o "jingle" da petrolífera: "Oh, we’re the men of Texaco, we work fromMaine to Mexico". Só depois aparecia o apresentador, o famoso, Milton Berle.

Este tipo de crua publicidade desapareceu – até ver. Entretanto, criaram-se os patrocínios, que no Estados Unidos são austeros e têm de ser escrupulosamente cumpridos e em Portugal, devido ao laxismo da regulação, confundem-se com anúncios normais.

As formas de publicidade alternativas aos intervalos estão a crescer em todo o lado, em especial a colocação de produtos nos programas.

A visão cada vez mais fragmentada da televisão e o "zapping" afastam os espectadores do formato fixo dos intervalos,mas não os afastam dos seus programas preferidos. Nos EUA, a colocação de produtos nos conteúdos cresceu 28% no ano passado e este ano deverá crescer mais.

Neste momento, os anunciantes já procuram intervir na escrita de guiões de forma a providenciar a colocação de referências aos seus produtos, mesmo nos programas de qualidade, como a versão americana de "The Office" e as "Donas de Casa Desesperadas".

O mesmo sucede sistematicamente na nova coqueluche da programação da TV generalista, os "reality shows". Ainda há dias, no "reality show" da TVI "1ª Companhia" as "celebridades" feitas magalas fizeram uma formatura na parada para receberem uma caixa cheia de produtos alimentares e cuja origem vinha bem evidenciada nas faces das caixas.

Tratava-se de um anúncio simultâneo com o entretenimento, um momento do programa inventado para acomodar a publicidade.

Entre nós, a colocação de produtos é uma parte das receitas dos canais, mas não é transparente, nem quanto à relação com o espectador nem quanto à relação com os revisores oficiais de contas.

A inserção de publicidade nas transmissões televisiva (e também noutros meios) vai-se tornando mais complexa e a regulação em vigor é péssima ou não prevê novas formas de publicidade. Na verdade, quase se pode dizer que não há uma verdadeira regulação, pelo

que os operadores de televisão quase fazem o que lhes é mais rentável, independentemente da regulação. A principal regulação é a do mercado, como sucede quando os anunciantes se recusam a aparecer associados a um programa execrável como "Senhora Dona Lady".

Mas se o mercado fosse suficiente para regular a vida das pessoas e empresas, há muito que o Estado tinha desaparecido. A regulação das novas formas de fazer publicidade é urgente, não para dificultar a vida aos operadores, anunciantes e publicitários mas, pelo contrário, para lhe permitir ser melhor, para a tornar transparente e boa para todas as partes, incluindo os fazedores de programas e, acima de tudo, os espectadores.

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