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Confesso que tenho assistido algo divertido às polémicas em torno da mais recente ameaça chinesa. Para quem tem alguma idade, e eu tenho, sabe como o perigo amarelo atormenta regularmente o imaginário ocidental. Houve um tempo em que foi simplesmente o me

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Confesso que tenho assistido algo divertido às polémicas em torno da mais recente ameaça chinesa. Para quem tem alguma idade, e eu tenho, sabe como o perigo amarelo atormenta regularmente o imaginário ocidental. Houve um tempo em que foi simplesmente o medo da avalanche populacional.

Depois foi o terror do atómico e da guerra-fria. Pelo meio surgiu um livro de capa vermelha que deu a volta a muito miolo de estudante desnorteado. Hoje, sinal deste tempo em que tudo se reduz a mercadorias, parece que o pânico tem origem nos têxteis. A coisa é realmente caricata. E em Portugal é mesmo burlesca.

A competitividade dos nossos têxteis assentou (e ainda assenta) quase exclusivamente na exploração de trabalhadores mal pagos e mal preparados. Gerações de miseráveis camponeses que trocaram as suas hortas pela maquinaria rudimentar de oficinas sem condições, nem humanidade. Em consequência a nossa indústria têxtil provocou muita desgraça nos países do norte da Europa. Conduziu a deslocalizações e encerramentos de fábricas.

Criou desemprego entre alemães e ingleses. Não se percebe portanto a razão de tanta aflição. No fundo em matéria de têxteis os chineses são no mundo o que os portugueses foram para a Europa.

Para mais aquilo que agora se condena nos chineses é precisamente o mesmo que se glorifica para o ocidente. A globalização e sua oportunidade de negócios à escala planetária, a competitividade e sua produção intensiva e de baixo custo, a agressividade empresarial nos mercados e nas vidas. Os chineses são criticados por serem afinal os melhores alunos do capitalismo neoliberal. Produzem muito, barato e exportam para todo o lado.

Dizem algumas sumidades que a questão não é essa. Ao que parece os operários chineses não têm direitos, assistência social, nem vida digna. Acontece contudo que são os mesmos que têm vindo a promover uma diminuição crescente dos direitos dos nossos trabalhadores e que tudo têm feito para os reduzir a escravos da produção em nome exclusivo do lucro. Portanto sobre questões de competitividade e de moralidade estamos conversados.

Mas o verdadeiro assunto é outro. A actual polémica sobre os têxteis esconde e desvia as atenções daquilo que realmente se está a passar. A menos que algo de muito catastrófico aconteça, como uma guerra nuclear por exemplo, a China caminha para se tornar no próximo grande império cultural e económico depois da Europa e dos Estados Unidos. Não é preciso ser vidente para o afirmar.

Basta pensar no número. Os três países mais populosos do globo são a China que já ultrapassou um bilião e 300 milhões; a Índia que anda pelo bilião e logo a seguir os Estados Unidos que não chega aos 300 milhões. China e Índia juntos têm quase 40 % da população mundial. O que é descomunal e tem consequências. Uma pequena melhoria das condições de vida dos chineses, ou dos indianos, provoca logo um terramoto na cena internacional. Uma ligeira abertura do seu comércio externo inunda de imediato os mercados ocidentais.

Falar de têxteis é pois uma brincadeira face ao que aí vem. Arnaldo de Matos, citando o grande timoneiro Mao, dizia que a revolução iria avançar a todo o vapor. Ora os chineses finalmente perceberam que já não estamos na era das máquinas a vapor, mas sim no tempo do nuclear e da exploração espacial. A partir de agora não se contentarão simplesmente em fabricar panos baratos e quererão acima de tudo produzir tecnologia, conhecimento e inovação.

O enorme investimento, humano e em recursos, que os chineses vêm fazendo nas novas tecnologias e na inovação é disso exemplo. Basta observar. Há muito tempo que participo em conferências internacionais em particular na Europa. Até há três ou quatro anos raramente se via um chinês. Desde então a sua presença é cada vez maior e mais qualificada.

É por isso que esta histeria em torno dos têxteis é ridícula e enganadora. Não estão em causa trapos, mas o nascimento de uma nova centralidade no mundo. Para a qual Estados Unidos e Europa claramente não estão preparados. Quando a melhor solução para o problema consiste na introdução de medidas do mesmo proteccionismo que condenam nos outros, está tudo dito.

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