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26 de Dezembro de 2005 às 13:59

Caso Volkswagen/Autoeuropa: um sinal significativo (II)

O grande desafio para as empresas e para os trabalhadores é o de demonstrar capacidade para competir num mundo globalizado e em mudança rápida, pelo que a procura de um «compromisso empresarial estratégico» ajudará certamente a redefinir as prioridades do

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Em artigo publicado em 10 de Outubro último neste jornal – a propósito do episódio que esteve na base da decisão da Volkswagen em fabricar o SUV em Wolfsburg e não, em alternativa, em Palmela – tive a oportunidade de alertar para o facto de este ser, conjunturalmente, um sinal significativo que permite vislumbrar uma «mudança nas estratégias empresariais» e, em consequência, «uma eventual reconfiguração da vida económica internacional».

Reitero então aqui algumas das ideias já expostas. Na Alemanha, desde 2003 que o poderosíssimo sindicato dos metalúrgicos, IG Metall, negoceia acordos com o intuito principal de «salvar» milhares de postos de trabalho. Num contexto de globalização da economia e de liberalização das regras de concorrência internacional, a Alemanha vive um período económico muito difícil e grande parte da explicação para esta situação está na actual incapacidade de reacção do sector empresarial ao movimento das deslocalizações que parece incessante. Este movimento tem como consequência o encerramento local de muitas unidades produtivas em função de factores de atracção de outros países. Por exemplo, a carga fiscal mais baixa para as empresas (na Europa de Leste é, em média, cerca de metade da existente na Alemanha), a mão-de-obra mais barata ou os mercados em expansão são factores que fazem desviar a atenção dos investidores - nacionais ou estrangeiros – do mercado de trabalho alemão. Acresce que, de acordo com o Eurostat, em 2004 a Alemanha foi o país da UE25 que mais perdeu investimento estrangeiro. Ora, num país em que o desemprego aumenta e o investimento diminui, o objectivo principal parece ser agora o de preservar a produção e o trabalho nacional.

Já a anterior aposta na fábrica de Wolfsburgo – onde os operários ganham cerca de 20% mais do que em sociedades subcontratadas – havia resultado de uma escolha difícil e, como oportunamente referi, «este episódio é um sinal de que os parceiros sociais alemães compreendem que na actual conjuntura é fundamental para o país, agir e planear o futuro empresarial sem descurar a salvaguarda do mercado de trabalho nacional».

Esta é, para mim, mais uma tendência que se avizinha em alguns países parceiros da UE onde a pressão social é forte e o desemprego atinge níveis elevados. E, repito, é preciso que, também em Portugal, se comece a tirar ilações destes acontecimentos. A actual crise económica, que se tem traduzido num aumento médio da taxa de desemprego nos países UE, em grande parte devida ao fraca criação de emprego local e nacional e às deslocalizações – coloca os países mais industrializados perante situações dilemáticas de estratégia político-económica.

É assim que se exige que os trabalhadores compreendam a complexidade e a dificuldade a que o país se encontra sujeito ao nível da competitividade económica internacional. Apresento alguns exemplos. Na Alemanha, onde tem predominado uma forte lógica de «direito colectivo ao emprego», perante a perda iminente de milhares de postos de trabalho no sector industrial, os sindicatos cientes das dificuldades têm renegociado o período de trabalho horário semanal. Entre 2004 e 2005, e em troca do abandono de projectos de deslocalização, os sindicatos alemães negociaram com a Siemens, a Opel, a DaimlerChrysler e a Volkswagen o aumento da semana horária de trabalho (nalguns casos passando das 35 às 45 horas por semana). A duração do trabalho foi aumentada sem compensação salarial mas salvaguardaram-se planos sociais de tutela na saúde e reforma e, sobretudo, o emprego a médio prazo.
 
Também em França, actualmente, os 10.400 trabalhadores do grupo Bosch sujeitam-se a idêntico dilema: aumentar o tempo de trabalho semanal ou perder os empregos. Em 2004, estes trabalhadores haviam já aceite passar das 35 para as 36 horas semanais sem compensação financeira para evitar a deslocalização para a República Checa. E o problema ressurge agora. Os sindicatos metalúrgicos franceses reagiram e, não obstante apelidarem a situação de «chantagem de emprego», aceitaram – a bem da manutenção do emprego – a possibilidade de se aumentar o número de horas suplementares por ano e por trabalhador.

Os trabalhadores portugueses, assim como a generalidade dos europeus, insurgem-se contra o «dumping social» imposto pelos países de leste ou os países asiáticos. Por exemplo, a mão-de-obra asiática, mesmo que aumente salarialmente 15% ao ano, é muito mais barata e o custo inerente à formação de um trabalhador é muito mais baixo. Além disso, as actividades de I&D são actividades às quais uma parte significativa da população destes países responde com competências técnicas (de realçar que a China é, actualmente, o país com maior número de engenheiros do mundo). Mas certo é que, o eventual insucesso das actuais negociações na AutoEuropa pode, além de conduzir a uma situação de desemprego massivo (que se pode revelar de difícil reabsorção), infligir um «forte golpe» nas exportações e produção nacional. É, portanto, preciso racionalizar ao máximo a situação. A boa gestão da negociação – cuja retoma está agendada para Janeiro – exige muita ponderação e capacidade de diálogo.

Respostas «quixotescas» neste momento poderão vir a revelar-se desastrosas para os trabalhadores em particular e para a economia e o país, em geral. Hoje, mais do nunca, é fundamental que se desenvolvam nas empresas novas formas de participação e colaboração. Os processos de negociação colectiva não podem continuar a circunscrever-se a meras questões salariais; devem também promover a adopção de medidas que possam melhorar a produtividade empresarial. De facto, o grande desafio para as empresas e para os trabalhadores é o de demonstrar capacidade para competir num mundo globalizado e em mudança rápida, pelo que a procura de um «compromisso empresarial estratégico» ajudará certamente a redefinir as prioridades do futuro.

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