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27 de Fevereiro de 2009 às 13:08

As bochechas do Adamastor

A Europa está em crise, o Mundo está em crise, e, como não podia deixar de ser, Portugal está em crise. Depois da recessão de 1973-75, da de 1983-5, da de 1993 e da de 2003, a próxima devia ser em 2013, mas não foi.

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A Europa está em crise, o Mundo está em crise, e, como não podia deixar de ser, Portugal está em crise. Depois da recessão de 1973-75, da de 1983-5, da de 1993 e da de 2003, a próxima devia ser em 2013, mas não foi. Veio sem se fazer anunciar e apanhou o País de surpresa, sem estar preparado. Como se isso não bastasse, esta crise é diferente. É mais profunda e põe o sistema económico em causa, portanto não sabemos como a tratar nem quanto vai durar. Vamos ensaiando remédios, uns atrás dos outros, e nada dá certo: foi a aspirina com um pouco de anti-alérgico à mistura no caso do "subprime", o anti-inflamatório quando ficámos com o sistema financeiro nos braços, e o antibiótico, agora que a economia real se está a desmoronar. Segue-se o desfibrilador e a ventilação artificial.

Nós, por cá, também vamos improvisando na receita - das reduções moderadas de impostos passámos ao investimento público maciço e agora já vamos nas nacionalizações. Como em 1975, estamos a começar pelo sector financeiro e, como em 1975, ninguém sabe onde vamos acabar. Para refrescar a memória, meus queridos leitores, relembro-vos que já em Janeiro desse ano os trabalhadores da Tinturaria Cambournac exigiam a nacionalização da empresa para que os postos de trabalho se pudessem manter, o que não é mais do que fazem hoje os empregados de qualquer empresa ameaçada, cá na terra como na Ford ou na Chrysler americanas ou em qualquer banco inglês. Pois é, ainda não acertámos com o diagnóstico e, como o paciente piora de dia para dia e o tempo está a ficar curto, estamos a ensaiar tudo - até parece um episódio do Doutor House, só que por cá só temos o Wilson, nem sequer o Foreman aqui anda.

Que nos falta? Alguém que segure no leme e que nos faça dobrar o Cabo das Tormentas e vença o moderno Adamastor. Mas este homem do leme não é o Grande Timoneiro, pois o que nos falta agora é quem tenha experiência de crises e esteja habituado a contar apenas consigo, sem depender em demasia de outros países. Alguém que tenha passado pelas nacionalizações e pela maior crise que até hoje tivemos em tempos recentes, a de 1983-85.

Uma pessoa encaixa aqui na perfeição: o nosso Bochechas. E se, objectam alguns, ele tiver tido algum papel em provocar a própria crise - o que, diga-se, é profundamente injusto - só ajuda o argumento, pois provaria que conhece o problema por dentro e por fora, os seus antes, durante e depois, e sobretudo o como em todas estas fases. Pois é, quem, mais do que o nosso ex-primeiro-ministro e ex-Presidente da República, tem o ar bonacheirão que dá tranquilidade e inspira confiança, num momento em que isso é particularmente necessário?

E quem construiu os fundamentos teóricos, para além da base empírica, sobre como devemos nós, portugueses, lidar com as crises? Veja-se a forma simples e directa como exprime e comunica a política económica: quando em plena crise ele pronunciou a máxima que na altura ficou, "temos que viver com aquilo que temos", estava a expor num tom minimalista, qual Philip Glass da economia moderna, a relação entre o saldo das contas externas e a sustentabilidade do crescimento económico. Com uma clareza e poder de síntese como poucos são capazes, de uma forma que um português não precisa de uma licenciatura em economia para entender. E quando o actual Presidente da República aponta para esta vulnerabilidade do nosso País, não está a dar-nos qualquer novidade, está sim com mais de 20 anos de atraso sobre o nosso Pai fundador.
Mas há mais! Quando, num momento anterior, ele se bateu com grande coragem contra a unicidade sindical, estava a confrontar os monopólios, ainda para mais naquele que é o mercado mais rígido da nossa economia e apontado como obstáculo ao desenvolvimento, o mercado do trabalho. E assim estabeleceu também a base da nossa política de concorrência muito antes de qualquer guardião ou guarda. E quando, anos depois, contra a opinião de muitos privilegiou uma intervenção mais directa do Estado no mercado em vez de criar desenfreadamente reguladores independentes que, sabemos hoje, fracassaram na sua missão, estava mais uma vez certo.
Resta saber se esta figura da Democracia aceitaria o timão. Deixem-me confessar-vos que eu bem gostava que sim, só para ver a cara com que mesmos velhos do Restelo lhe haviam de ir agora pedir que nacionalizasse o que antes criticavam por ainda estar nacionalizado.


Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando perguntámos a Frederico em que ano vai acabar a crise, Frederico respondeu: "No annus horribilis!"

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