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Aprender com as formigas

O poder das formigas é evidente. Basta dizer que se calcula a sua população em cerca de 10% da biomassa do planeta. Ou que existe um milhão de formigas por cada pessoa.

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A grande maioria das pessoas não sabe como funciona uma televisão. E no entanto dedicam- lhe uma enorme atenção e tempo. Nunca como hoje é tão evidente serem as coisas que desconhecemos as que mais determinam as nossas vidas. Pense-se nas formigas, por exemplo.

Não refiro a perturbação que estes pequenos insectos provocam na sociedade humana. Todos conhecemos o efeito devastador das térmitas nas componentes de madeira das velhas habitações ou as sucessivas invasões da versão mais comum nas nossas casas. Não refiro também que se trata de outra guerra perdida. As toneladas de veneno lançados pouco afectam os formigueiros, mas entram nos cursos de água e nos alimentos para fazer afinal mal a nós mesmos.

O poder das formigas é evidente. Basta dizer que se calcula a sua população em cerca de 10% da biomassa do planeta. Ou que existe um milhão de formigas por cada pessoa. Ora uma espécie tão bem sucedida tem que possuir algumas características extraordinárias. Foi o que pensaram alguns cientistas que sem se deixarem intimidar pelos lugares e nomes comuns decidiram abordar o assunto de uma maneira totalmente diferente. Antes de mais estudando como funcionam realmente as formigas.

Edward O. Wilson produziu um dos trabalhos mais decisivos com o livro «As formigas» publicado em 1991 junto com Bert Hölldobler, que obteve o Prémio Pulitzer. Mas existem outros como Deborah Gordon ou o precursor Pierre-Paul Grassé com uma obra seminal no final dos anos 50 sobre a stigmergia, a forma de comunicação indirecta nos insectos sociais.

Ao contrário do que se pensa e se exprime na terminologia corrente as formigas não têm rainha, nem soldados, nem obreiras, nem castas. Pelo menos no sentido em que todas estas palavras representam uma sociedade hierarquizada onde uns mandam e outros cumprem, cabendo a determinados indivíduos tarefas específicas, umas nobres e outras de baixo estatuto social. Uma tal descrição, tão manifestamente errónea, deriva afinal da visão social dominante.

Wilson demonstrou que a sociedade das formigas não tem comando, nem planos ou tarefas especificamente pré-estabelecidas. Tudo se passa através de simples mecanismos de «feedback» utilizando como forma de comunicação, directa e indirecta, vários tipos de feromona. Embora as formigas também se toquem, com as antenas, a sua comunicação é feita essencialmente deixando rastos de feromona, uma espécie de odor, capaz de transmitir mensagens muito básicas.

Dou um exemplo simples. De manhã as formigas saem do ninho à procura de comida. Fazem-no aleatoriamente. Se uma formiga encontra comida regressa ao ninho depositando uma feromona que o assinala, como quem diz «encontrei comida». Qualquer outra formiga que passe por esse trilho segue-o e deposita mais feromona. Pouco tempo depois temos centenas ou milhares de formigas fazendo os tão característicos carreiros. Uma vez esgotada a comida, as formigas deixam de se deslocar para lá pois já não encontram nada e não têm portanto estímulo para depositar mais feromona, e o trilho lentamente evapora e desaparece.

Um tão simples e eficaz modelo de auto-organização tem servido para desenvolver muitos sistemas informáticos. Mas, mais do que as aplicações, que hoje todos usamos sem o saber em telemóveis, muito software e rotas, o estudo do comportamento das formigas abriu uma nova e larga avenida na ciência, quer no campo das ciências da complexidade, quer na inteligência e vida artificial. As formigas ensinam que com regras simples e uma acção individual ao nível local se pode produzir uma enorme complexidade. O que leva alguns autores a falarem de super-organismos ou consideram o formigueiro como uma entidade inteligente em si mesmo.

Também nas ciências sociais e na economia começam a surgir estudos sérios sobre o assunto e alguma concretização prática. O velho sistema social baseado no comando e nas hierarquias, nas ordens que circulam de cima apara baixo, não é aquele que mais e melhor produz. Aliás, se alguém tiver dúvidas sobre o assunto, basta observar o que se passa com a colocação de professores para ficar claro que os sistemas top-down pura e simplesmente não funcionam. O Ministério da Educação devia aprender com as formigas.

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