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31 de Maio de 2016 às 00:01

António Vitorino: Sem um sistema bancário estável não há confiança

Nunca acreditei que para a vida pública existissem "soluções mágicas". Numa fase de grande volatilidade e incerteza no mundo global em que vivemos , muitas das variáveis de que depende o nosso futuro colectivo escapam ao nosso controlo e até ao perímetro do espaço público nacional.

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Nessa medida não podemos deixar de depender da sorte, da nossa e da alheia.

Só que não basta contar com "ter sorte". Porque a sorte também se constroi e, como se costume dizer, sorri aos audazes.

Prefiro portanto falar de que elementos de audácia precisamos para que também a sorte nos possa sorrir...

Desde logo, estabilidade política. O argumento não precisa de explanação detalhada, bastando ver o que se passa aqui mesmo ao lado, na nossa vizinha Espanha. Neste aspecto, também teremos que esperar ter a sorte de os nossos principais parceiros económicos resolverem rapidamente a sua crise de governabilidade.

Entre nós, a estabilidade política depende em primeira linha da capacidade de concertação dos partidos que apoiam o governo. Como sabemos estas são águas nunca de antes navegadas e qualquer prognóstico não encontra arrimo nos tempos precedentes.

No essencial a estabilidade governativa situa-se no difícil ponto de encontro entre o respeito pelas regras europeias, designadamente as da Zona Euro, e os compromissos assumidos pelo PS com os parceiros à esquerda. O momento crucial deste equilíbrio será o da aprovação do orçamento para 2017.

Apesar de começarem a surgir sinais, vindos do lado europeu, de que o actual quadro de políticas se mostra insuficiente para responder a um crescimento anémico, a um desemprego estrutural (em especial o jovem) persistente, a um espectro de deflação que não se esvai (mesmo perante políticas monetárias heterodoxas como as adoptadas pelo BCE neste momento), essas mudanças em potência não ocorrerão neste ciclo próximo marcado pelas eleições francesas da Primavera do ano que vem e pelas eleições alemãs do Outono de 2017.

A estabilidade política é relevante em termos de criação de confiança para propiciar o investimento e a criação de emprego. Ora, neste ponto, os indicadores conhecidos, quer quanto ao investimento estrangeiro quer quanto ao investimento privado interno não são animadores. A prioridade à criação de condições para o investimento é assim inadiável. Ora, sem a estabilização do sistema bancário, em que a intervenção dos poderes públicos (governo e banco central) será decisiva, o clima de confiança não estará completo.

Do mesmo modo, pela sua relevância, e atentas as limitações do investimento público decorrentes das regras do ajustamento financeiro (défice e dívida) que persistirão, o investimento privado constitui o factor determinante na criação de emprego. Os sinais sobre o comportamento do emprego serão, por seu turno, decisivos para a sustentação da actual solução governativa.

O Plano Nacional de Reformas recentemente divulgado e a eficácia na mobilização dos fundos europeus, até hoje subutilizados, surgem assim como os instrumentos de dinamização da actividade económica, embora o retorno, a curto prazo, das iniciativas em causa dependa do clima de confiança interno tanto quanto da conjuntura internacional, em especial da europeia.

Neste quadro, o "mix" entre crescimento económico propulsado pela procura interna e crescimento económico decorrente do aumento das exportações afigura-se essencial, muito em particular quanto ao comportamento desse indicador avançado do estado da nossa economia que é a balança com o exterior.

Por último, como aliás tem referido o Presidente da República, a descrispação da nossa vida política deveria abrir espaço para que o sistema partidário aproveitasse as novidades da actual solução governativa para testar os limites da capacidade de encontrar consensos para algumas das mazelas estruturais da nossa vida política e social. Tanto no plano político como no da concertação com os parceiros sociais. Não havendo, neste terreno, soluções "quick fix", tudo depende da audácia com que os protagonistas políticos, seja à esquerda seja à direita, testarem a capacidade do sistema na sua actual configuração gerar soluções sustentáveis. Mas neste ponto se houver sorriso, ele será provavelmente bastante amarelo...

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