Opinião
O ano de todos os perigos
À medida que avançamos na idade temos a percepção de que o tempo passa mais depressa. Por isso pode parecer paradoxal que deseje que 2017 passe mesmo muito rapidamente, no essencial por ser o ano de todos os perigos.
Um ano recheado de potenciais acidentes de percurso à escala global, com variável impacto possível na política e na economia. Mesmo que alguns sejam evitáveis ou contornados – e para isso há que agir – outros acabarão sempre por se verificar. O problema está em saber quais serão os do primeiro grupo e os que caem no segundo.
Desde logo, os que são já uma certeza: a eleição de Donald Trump e a subsequente entrada em funções como Presidente da maior potência global que muito provavelmente determinará mudanças de paradigma que vão das alterações climáticas às questões de segurança e defesa, culminando na "nova relação transacional" com a Rússia.
Do mesmo modo será uma certeza a continuidade da estratégia assertiva do líder russo Putin, em especial na Ucrânia e na Síria.
A novidade pode vir do regresso a um mundo bipolar...onde as duas potências procuram entendimentos directos com base nos seus interesses próprios à margem dos seus tradicionais aliados, em especial os europeus.
No quadro da União Europeia (UE) os acidentes de percurso estão relativamente programados: a série de eleições nacionais na Holanda, França, Alemanha (e as demais que inopinadas crises possam suscitar como no caso – provável – da Itália). Mas enquanto organização, o grande desafio à UE será a negociação da saída do Reino Unido.
Desde logo, pela perda significativa do peso geopolítico (e em especial da componente atlântica) da UE. Depois pelo potencial custo económico quer para quem sai quer para os demais países da UE, tudo dependendo dos termos do acordo de separação. Mesmo desejando o melhor dos acordos, a verdade é que as energias que esta negociação vai consumir e o capital político a investir nessa negociação não serão utilizados para fazer face aos temas prementes da agenda europeia (crescimento anémico, desemprego estrutural e dos jovens em níveis elevados, desequilíbrios de competitividade na zona Euro, incompletude da União Bancária).
Sejamos, contudo, optimistas! Admitamos que a senhora Le Pen não ganha as eleições presidenciais em França, que na Holanda uma grande (muito grande mesmo...) coligação de 4 ou 5 partidos barra o caminho do poder ao senhor Wilders, que na Alemanha a mais que provável entrada da AfD (Alternativa pela Alemanha de extrema direita) no parlamento federal não provocará a ingovernabilidade da maior economia europeia, mesmo que à custa da necessidade de uma coligação de três partidos.
Se assim for, chegaremos a 2018 melhor porque com mais certezas sobre os equilíbrios europeus face às incertezas com que nos despedimos de 2016.
Mas por muito sensíveis que sejam os acidentes de percurso na espuma dos dias, o que verdadeiramente importa é saber que legado nos deixará 2017 em três questões fundamentais que estão para além dos eventos de circunstância.
A primeira chama-se democracia. As nossas democracias estão à defesa, perante o populismo, o racismo, a xenofobia. Os valores fundamentais da dignidade humana, dos direitos fundamentais, das liberdades públicas são postos em causa por uma ofensiva a que a muitas vezes temos respondido copiando ou cedendo às posições mais radicais. As derivas autoritárias em países da própria União Europeia (como a Hungria ou a Polónia) ou na Turquia são exemplos preocupantes, tanto quanto os movimentos populistas que ameaçam chegar ao poder em países como a Holanda, a França ou a Itália. Como referiu recentemente o novo secretário-geral da ONU, António Guterres, a agenda dos direitos humanos, na sua dimensão mais ampla, de direitos políticos, económicos e sociais volta a ter que estar no centro da resposta às simplificações e manipulações populistas.
A segunda chama-se sociedade aberta. O que aqui estará em causa é saber se assistiremos a um retrocesso da globalização, em contraciclo com a dinâmica da revolução tecnológica em curso e da digitalização da economia que supera barreiras e fronteiras. Contudo, só será possível preservar as nossas sociedades abertas se os partidos e forças sociais que lhe são favoráveis compreenderem que não basta louvar as virtudes da globalização junto dos vencedores ignorando aqueles que são perdedores ou que como tal se percepcionam. Um novo contrato de coesão e solidariedade social não reside na autarcia nem no protecionismo, mas numa melhor distribuição dos benefícios do progresso. Sobretudo quando se avizinham tempos de disrupção no próprio conceito de trabalho (qualificado e não qualificado) como consequência da crescente automação dos processos produtivos.
A terceira chama-se liberdade. Com efeito, com a evolução da guerra na Síria e no Iraque contra o Daesh tudo leva a crer que 2017 será um ano onde infelizmente haverá mais atentados terroristas em solo europeu. A garantia da segurança das pessoas e da prevenção desses atentados criará redobrados constrangimentos à forma como usufruímos das nossas liberdades, individuais e colectivas. Mas sabemos bem que, em democracia, o equilíbrio entre liberdade e segurança consiste numa busca constante e permanente em função dos contornos das ameaças. Viver em permanente estado de emergência representará a primeira grande vitória dos terroristas. Sem prejuízo, as nossas sociedades têm que tomar cada vez mais a sério as necessidades de reforçar os mecanismos de segurança mantendo sempre o respeito pelas liberdades públicas inerentes a sociedades abertas, plurais e tolerantes. A mobilização da sociedade civil neste aspecto será crucial para barrar o caminho aos excessos e para assumir a segurança como responsabilidade colectiva.
Se no final de 2017 pudermos considerar que nestas três questões o balanço é positivo poderemos olhar o ano que ora começa não como o de todos os perigos mas como o da inversão do declínio dos nossos sistemas políticos e das nossas sociedades.
Oxalá assim seja!
Desde logo, os que são já uma certeza: a eleição de Donald Trump e a subsequente entrada em funções como Presidente da maior potência global que muito provavelmente determinará mudanças de paradigma que vão das alterações climáticas às questões de segurança e defesa, culminando na "nova relação transacional" com a Rússia.
A novidade pode vir do regresso a um mundo bipolar...onde as duas potências procuram entendimentos directos com base nos seus interesses próprios à margem dos seus tradicionais aliados, em especial os europeus.
No quadro da União Europeia (UE) os acidentes de percurso estão relativamente programados: a série de eleições nacionais na Holanda, França, Alemanha (e as demais que inopinadas crises possam suscitar como no caso – provável – da Itália). Mas enquanto organização, o grande desafio à UE será a negociação da saída do Reino Unido.
Desde logo, pela perda significativa do peso geopolítico (e em especial da componente atlântica) da UE. Depois pelo potencial custo económico quer para quem sai quer para os demais países da UE, tudo dependendo dos termos do acordo de separação. Mesmo desejando o melhor dos acordos, a verdade é que as energias que esta negociação vai consumir e o capital político a investir nessa negociação não serão utilizados para fazer face aos temas prementes da agenda europeia (crescimento anémico, desemprego estrutural e dos jovens em níveis elevados, desequilíbrios de competitividade na zona Euro, incompletude da União Bancária).
A novidade pode vir do regresso a um mundo bipolar... onde as duas potências procuram entendimentos directos com base nos seus interesses próprios.
Sejamos, contudo, optimistas! Admitamos que a senhora Le Pen não ganha as eleições presidenciais em França, que na Holanda uma grande (muito grande mesmo...) coligação de 4 ou 5 partidos barra o caminho do poder ao senhor Wilders, que na Alemanha a mais que provável entrada da AfD (Alternativa pela Alemanha de extrema direita) no parlamento federal não provocará a ingovernabilidade da maior economia europeia, mesmo que à custa da necessidade de uma coligação de três partidos.
Se assim for, chegaremos a 2018 melhor porque com mais certezas sobre os equilíbrios europeus face às incertezas com que nos despedimos de 2016.
Mas por muito sensíveis que sejam os acidentes de percurso na espuma dos dias, o que verdadeiramente importa é saber que legado nos deixará 2017 em três questões fundamentais que estão para além dos eventos de circunstância.
A primeira chama-se democracia. As nossas democracias estão à defesa, perante o populismo, o racismo, a xenofobia. Os valores fundamentais da dignidade humana, dos direitos fundamentais, das liberdades públicas são postos em causa por uma ofensiva a que a muitas vezes temos respondido copiando ou cedendo às posições mais radicais. As derivas autoritárias em países da própria União Europeia (como a Hungria ou a Polónia) ou na Turquia são exemplos preocupantes, tanto quanto os movimentos populistas que ameaçam chegar ao poder em países como a Holanda, a França ou a Itália. Como referiu recentemente o novo secretário-geral da ONU, António Guterres, a agenda dos direitos humanos, na sua dimensão mais ampla, de direitos políticos, económicos e sociais volta a ter que estar no centro da resposta às simplificações e manipulações populistas.
A segunda chama-se sociedade aberta. O que aqui estará em causa é saber se assistiremos a um retrocesso da globalização, em contraciclo com a dinâmica da revolução tecnológica em curso e da digitalização da economia que supera barreiras e fronteiras. Contudo, só será possível preservar as nossas sociedades abertas se os partidos e forças sociais que lhe são favoráveis compreenderem que não basta louvar as virtudes da globalização junto dos vencedores ignorando aqueles que são perdedores ou que como tal se percepcionam. Um novo contrato de coesão e solidariedade social não reside na autarcia nem no protecionismo, mas numa melhor distribuição dos benefícios do progresso. Sobretudo quando se avizinham tempos de disrupção no próprio conceito de trabalho (qualificado e não qualificado) como consequência da crescente automação dos processos produtivos.
A terceira chama-se liberdade. Com efeito, com a evolução da guerra na Síria e no Iraque contra o Daesh tudo leva a crer que 2017 será um ano onde infelizmente haverá mais atentados terroristas em solo europeu. A garantia da segurança das pessoas e da prevenção desses atentados criará redobrados constrangimentos à forma como usufruímos das nossas liberdades, individuais e colectivas. Mas sabemos bem que, em democracia, o equilíbrio entre liberdade e segurança consiste numa busca constante e permanente em função dos contornos das ameaças. Viver em permanente estado de emergência representará a primeira grande vitória dos terroristas. Sem prejuízo, as nossas sociedades têm que tomar cada vez mais a sério as necessidades de reforçar os mecanismos de segurança mantendo sempre o respeito pelas liberdades públicas inerentes a sociedades abertas, plurais e tolerantes. A mobilização da sociedade civil neste aspecto será crucial para barrar o caminho aos excessos e para assumir a segurança como responsabilidade colectiva.
Se no final de 2017 pudermos considerar que nestas três questões o balanço é positivo poderemos olhar o ano que ora começa não como o de todos os perigos mas como o da inversão do declínio dos nossos sistemas políticos e das nossas sociedades.
Oxalá assim seja!
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02.01.2017