Opinião
Andam por aí uns alemães...
Ninguém diria hoje que a Alemanha perdeu duas guerras mundiais no século passado. Muito especialmente que este país saiu derrotado e destruído da Segunda Guerra Mundial que desencadeou com o sonho de uma grande Alemanha dominadora da Europa.
Depois da rendição aos Aliados foram fundos, especialmente norte-americanos que ajudando na reconstrução europeia relançaram a economia alemã. Fundos porventura vindos de bancos e outras instituições financeiras que apoiaram financeiramente a Administração americana e cujos proprietários faziam parte do grupo das grandes vitimas do Holocausto.
Ninguém concebia sem uma certa dose de cepticismo que a Alemanha, unificada por cedência da ex-URSS – que os seus soldados puseram a ferro e fogo – acabasse por entrar triunfalmente na Polónia que nos anos 30 invadira a pretexto de proteger a minoria alemã oprimida pelos polacos. O mesmo se aplica à República Checa e aos outros países do centro leste europeu.
Desaparecido o Deutsch Mark, o Euro foi um precioso instrumento do domínio alemão sobre as economias dos seus inimigos jurados.
Antes disso porém a Alemanha conseguiu um acordo global para a sua unificação e quem pagou os custos de uma Alemanha em vez das simpáticas duas Alemanhas até então existentes, foram, claro, os restantes países europeus na então Comunidade Europeia. O principal contribuinte líquido da Comunidade cobrava a factura que havia pago por ser a maior economia comunitária.
O Banco Central Europeu, com a criação do Euro, tornou-se um excelente sucedâneo do Bundesbank. Tendo um alemão por primeiro governador, iniciou uma política que não divergiria por certo da que o Bundesbank adoptaria. O Pacto de Estabilidade e Crescimento que permitiu a constituição da zona euro, negociado há uma eternidade, continua a reger o comportamento do Bundesbank, perdão, Banco Central Europeu, mesmo que o seu presidente seja agora um francês. O objectivo confesso do BCE é fazer face a pressões inflacionistas em certas zonas do euro. Um eufemismo para esconder que o objectivo é impedir as tendências inflacionistas de uma Alemanha cada vez mais poderosa e descentralizada pela mão-de-obra barata e o mercado dos seus vizinhos centro europeus que um dia, no século passado, ocupou militarmente, de onde deportou judeus, ciganos e outros "impuros".
A memória do Homem moldou-se ao economicismo ao domínio da finança sobre a política e a moral. O Banco Central Europeu está porém a ir longe demais. Quando o euro foi lançado valia pouco mais que 0.82 dólares norte-americanos. Hoje vale pouco mais de 1.33 USD. Quase 50 por cento. As exportações europeias, em teoria deveriam deixar de ser competitivas, mas a descentralização alemã para os seus vinhos mais baratos do Leste, e até para a antiga Alemanha de Leste (com mão-de-obra mais barata e maior desemprego) permitiu que os produtos de marca alemã baixassem de preço, o que não sucedeu com os franceses, italianos, e outros. Mas 40 por cento das exportações alemãs destinam-se aos mercados emergentes, por isso a Sr.ª Ângela Merkel quer, e depressa, um acordo na OMC. A isto acresce que o preço do crude, graças à valorização do euro face ao dólar não tem o impacto negativo que normalmente teria. Sem falar nos movimentos especulativos em trono da compra do petróleo bruto e que inflacionam os seus preços dando fabulosos lucros a quem disponha de verbas para comprar petroleiros e os possa manter ao largo até que o barril suba um pouco mais.
Simplesmente o que é bom para a Alemanha e os seus satélites não é necessariamente bom para outros países da zona euro que estão cada vez mais periféricos. O BCE fala em subir taxas de juro, ou sugere apenas que pode subir as taxas e é suficiente para os bancos comerciais subirem as duas taxas. Os Estados vêm-se obrigados a enormes e impopulares cortes orçamentais para fazerem face ao obsoleto défice estabelecido no tempo das vacas gordas.
Ninguém hoje duvida da necessidade de rever o PEC. Todavia cada um tem a sua revisão do Pacto e por isso ela não avança. Os franceses, em vésperas de eleições presidenciais, como sucede sempre, voltam à carga questionando a independência do BCE e a forma como é governada a Zona Euro. Não são os únicos. O Primeiro Ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Junker presidente do Eurogrupo, terá levantado já com o BCE e a Comissão Europeia a necessidade de encontra novas formas de saneamento financeiro. Os encontros, segundo o "Le Monde" foram desmentidos, mas o tema não.
O facto é que um acordo com os Estados Unidos sobre matéria com incidência na PAC – que tem de ser revista – e noutros sectores do comércio transatlântico e com os países emergentes tem necessariamente de ser acompanhado da revisão do PEC. Sem isso as economias mais frágeis da Europa do núcleo central dos Quinze continuarão em dificuldades; tornar-se-ão permeáveis à conquista financeira, que tornou obsoleta a Batalha de Aljubarrota ou a Restauração, Pearl Harbour, a anexação da Polónia e da Áustria, a invasão da França, a batalha de Leninegrado e o desembarque da Normandia.
Os vencidos da Segunda Guerra Mundial estão a controlar o Mundo, sem tiros, sem violações fronteiriças, sem campos de concentração. Será o "Admirável Mundo Novo"?