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Alojamento local: "in or out"

No âmbito da discussão da Proposta de Lei do Orçamento do Estado (PLOE) para 2017, muito se tem dito e escrito sobre o regime fiscal do alojamento local, bem como do agravamento da tributação sobre esta realidade.

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Porém, nem sempre tudo é correto. É certo que se encontra previsto um agravamento fiscal nesta matéria, mas certo também é que esse agravamento não ocorre na taxa de imposto sobre o rendimento obtido. Mas comecemos por analisar a realidade do alojamento local.

Ainda que seja uma realidade nacional, tem sido em especial em Lisboa que se tem assistido a um "boom" na dinamização do turismo naquilo a que muitos se referem como "receber turistas em nossa casa". Apenas em 2014 passou esta realidade a estar expressamente regulamentada na legislação fiscal, sendo até então uma realidade atípica que ninguém sabia muito bem como tratar do ponto de vista da tributação do rendimento adveniente da disponibilização de um apartamento ou moradia a um turista por determinado período (curto) de tempo.

A introdução de regras específicas nesta matéria veio dar resposta a um crescente fenómeno económico que, por falta de regulamentação, se traduzia num imenso mercado de economia paralela, que rapidamente se tornou muito apetecível do ponto de vista tributário.

Por forma a incentivar à regularização dessa crescente economia paralela foi previsto que, para o regime simplificado da Categoria B de IRS, a determinação do rendimento tributável das prestações de serviços efetuadas no âmbito de atividades hoteleiras e similares fosse obtida através da aplicação do coeficiente de 0,15. Ou seja, apenas 15% do valor total do rendimento passaria a estar sujeito a tributação, sendo sobre o valor assim apurado aplicadas as taxas progressivas gerais do IRS.

Em face da tributação pouco gravosa desta nova realidade, muitos agentes económicos optaram por efetivamente regularizar a sua situação a nível fiscal o que teve como corolário regularizar igualmente em termos legais, e respectivo cumprimento das regras de higiene e segurança associadas a este tipo de atividade. Vantagens assim para todos.

Ora, com a PLOE prevê-se um alargamento significativo da base tributável de quem tem por atividade estas prestações de serviços. Com efeito, propõe-se que a base tributável passe de 15% para 35% do rendimento anual obtido. Por outro lado, prevê-se ainda que possa ser exercida a opção pela tributação em sede da Categoria F (rendimentos prediais) e nesta categoria a opção pela tributação à taxa de 28%.

Parece haver aqui um propósito de, sob o pretenso intuito de ajustar a tributação dos serviços de alojamento local à atividade de arrendamento, por um lado, aumentar a receita fiscal numa área de negócio em franco crescimento e expansão e, por outro lado, regulamentar, de forma encapotada via tributação, o mercado do arrendamento. Parece-nos uma visão muito redutora de política habitacional nesta matéria. Na verdade, o alojamento local potenciou a reabilitação (privada) de inúmeros bairros históricos, nomeadamente da cidade de Lisboa, que sem esta figura estariam ainda em ruínas e em franco declínio, em virtude do reduzido orçamento dos municípios para efeitos de recuperação das respectivas localidades.

Por outro lado, importa também saber quais os critérios subjacentes à determinação do novo coeficiente aplicável para efeitos da determinação da base tributável, se é que houve algum critério que não a de mera obtenção de receita fiscal. Com efeito, esquece-se o legislador que o alojamento local reveste-se de características muito próprias que em nada se assemelha ao mero arrendamento urbano. Desde logo, porque os custos associados à gestão de um alojamento local em nada se assemelham ao arrendamento, a saber, despesas de limpeza (que ocorrem com a mesma frequência que num hotel), lavandaria, despesas de eletricidade (imputadas à exploração e não ao inquilino), despesas de água, despesas de internet, produtos de higiene, despesas de manutenção decorrente do uso normal da casa (no arrendamento estas despesas são suportadas pelo inquilino), despesas de check-in presencial aos hóspedes, e disponibilidade a tempo inteiro de apoio aos turistas e à sua estadia. Ou seja, não se trata de uma atividade de chave na mão
, mas sim de um acompanhamento algo personalizado que implica despesas regulares e disponibilidade permanente de quem presta o serviço.

Acresce que se coloca também a questão de saber se, exercendo a opção pela qualificação do rendimento como rendimento predial, continua a ser aplicada a taxa reduzida de IVA de 6% aos serviços prestados no âmbito de atividades hoteleiras. No limite, teríamos uma dicotomia bizarra de qualificação de um rendimento como predial para efeitos de IRS e, por outro lado, como um rendimento decorrente de serviços hoteleiros, para efeitos de IVA. Ou pior, aplicar a taxa de IVA a 23% pela prestação dos serviços assemelhados ao arrendamento.

Resta assim saber se, a ser aprovada a PLOE, se irá efetivamente assistir a um aumento da receita tributária ou se, pelo contrário, a uma descida da mesma, em virtude de um eventual regresso ao modelo de economia paralela em que vivíamos com iguais prejuízos no que respeita ao controlo sanitário e de segurança associados a esta atividade.


Este artigo foi redigido ao abrigo do novo acordo ortográfico.


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