Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
11 de Março de 2005 às 13:59

Agora é preciso estar

«Quem não pode o que quer, que queira o que pode» Leonardo Da Vinci
Portugal virou, de facto, à Esquerda, como apressuradamente a Imprensa e muita gente desassossegada disse e pensou? Não o creio.

  • ...

Conceptualmente, José Sócrates é conservador, dado a erupções de impaciência e a manifestações de agastamento, logo-assim as coisas lhe não corram a feição. A «tolerância» ontológica, tão arduamente defendida pelos corifeus do PS, não encontra no engenheiro um paladino inviolável. Porém, as disfunções políticas, registadas nos últimos cinco anos, no nosso país, impuseram, como contrapartida, a necessidade de uma espécie de contrato social entre as várias forças empresença.

Portugal inclinou-se, isso sim, para a única alternativa que poderia atenuar ou, até, parcialmente remover, os estragos causados pela fuga de Guterres (em quem, aliás, também confiara) e pelas catastróficas administrações de Durão Barroso e Santana Lopes. Um volume significativo de habituais votantes na Direita, inflectiu para o PS, persuadido da premência em escorraçar Santana e estabelecer uma «instituição» reguladora que não causasse estridentes sobressaltos no sistema. José Sócrates era o modelo adequado.

Admito que o novo Executivo seja sensível aos estragos causados pelos anteriores Governos. Mas temo que o rol de dificuldades previsíveis crie um círculo de submissões, incapaz de enfrentar os omnipotentes grupos de interesses e de conceber as rupturas indispensáveis a uma nova ordem social. Até largos sectores do patronato já entenderam a urgência de repensar os objectivos a que se destina a sua acção.

Cuidadosamente, José Sócrates não prometeu, não falou em compromissos; apenas discreteou sobre «objectivos». Vago e esquivo. Mas, pelo menos, honesto. As decisões drásticas que vai necessariamente tomar têm de estar respaldadas em clareza, e sustentadas pelo ânimo dos portugueses. Ao contrário do que precipitadamente afirmou António Vitorino, o Executivo tem de utilizar a Imprensa como mensageira (e não como mediadora) das deliberações, de forma a estarmos informados, e conscientes dos factores condicionantes. O secretismo sempre favoreceu a insídia, a trapalhada, a contra-verdade, a descrença. E sempre reduziu os seus praticantes ao estatuto pouco lisonjeiro de manipuladores ou de intriguistas.

O Governo precisa de estabelecer uma relação de confiança com os governados. O exercício do esclarecimento, a ciência da clareza, o uso da transparência permitem que um número importante de homens e de mulheres reflictam sobre a política, ajam na sociedade, intervenham na democracia. As regras do jogo consistem em criar outras regras.

José Sócrates está no centro de um momento histórico invulgar. Invulgar pela complexidade dos problemas; invulgar pela imensa ração de confiança que lhe foi dada; invulgar pelo que pode realmente fazer. Tudo o que os «especialistas» perspectivem é aleatório.Mas não o é a lição principal a tirar das eleições: a de percebermos que a vontade política foi acompanhada de forte componente moral.

O primeiro-ministro não pode iludir por muito tempo os problemas gravíssimos que afligem a sociedade portuguesa. Pensar bem, politicamente, exige uma correspondência nem sempre praticada: actuar bem. E agora? Agora, estar - como disse um grande poeta português, Pedro Tamen. Estar atentos, estar críticos, estar exigentes.

APOSTILA - Acabo de ler, mão diurna e mão nocturna, uma soberba edição das «Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas», de Bocage, com a chancela de Caixotim, e organização e prefácio de Daniel Pires. Uma poética fascinante, por superior; belíssima, pela rigorosa qualidade estética; invulgar, por pessoalíssima. Bocage é um dos nossos maiores poetas de sempre; e umsonetista (dizem entendidos) superior a Camões. Pagou caríssimo ser um homem da liberdade. Perseguiram-no, tentaram omiti-lo, reduziram-no a personagem anedótica - sem nunca conseguirem matar-lhe o génio ou minimizar-lhe a grandeza. O prólogo de Daniel Pires é uma excelente introdução à vida e à obra de Bocage. Leitura a não perder.

Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio