Opinião
África: o novo destino chinês (II)
Para lá das considerações já aqui feitas a semana passada sobre a recente Cimeira do Fórum sobre a Cooperação China-África que decorreu em Pequim – onde se procurou consolidar as relações sino-africanas nomeadamente: ...
Para lá das considerações já aqui feitas a semana passada sobre a recente Cimeira do Fórum sobre a Cooperação China-África que decorreu em Pequim – onde se procurou consolidar as relações sino-africanas nomeadamente: nas áreas da exploração dos recursos naturais africanos; da cooperação dirigida sobretudo para a agricultura, indústria, pescas e formação/educação e; da obtenção de novos mercados –, gostaria ainda de salientar dois outros aspectos que considero igualmente interessantes na análise deste processo de aproximação.
O primeiro prende-se com o facto de todo este fulgor de investimento chinês em África parecer estar acompanhado por uma forte aposta no sector financeiro. Aliás, ao anúncio de que a China vai conceder a África um conjunto de empréstimos no valor de 5 mil milhões de dólares durante os próximos três anos, encorajando as empresas chinesas a investir no continente africano, não é indiferente a simultânea estratégia de desenvolvimento do sector financeiro chinês.
A banca chinesa – que ganha, desde 1999 e progressivamente, grande pujança mundial – tem-se revelado recentemente um instrumento fundamental para a eficaz diplomacia económica chinesa. Por exemplo, o principal banco chinês, o Industrial & Commercial Bank of China (ICBC) – com cerca de 70% de capitais públicos e que conta com 19.000 agências e aproximadamente 360.000 trabalhadores, ocupando um notório 7º lugar no "ranking" mundial do sector bancário – surge, por decisão das autoridades chinesas, como um suporte financeiro central da actividade comercial expansiva da China. Desejando acompanhar o ritmo de crescimento da sua economia, o sector bancário chinês começa a procurar aumentar regularmente os fundos próprios, cotando-se em bolsa. Curiosamente – e porque o saneamento dos bancos públicos chineses, se bem que real, parece frágil – o relançamento do ICBC implicou, para além do recurso a ajudas públicas em volume de capital significativo, o encerramento de 2.000 agências e um aumento de capital de 3,8 mil milhões de dólares, subscrito pela Goldman Sachs, pela American Express e, pela seguradora Allianz. Realce-se que a recente entrada do ICBC na bolsa de Hong Kong – pelo volume de capital envolvido – ganhou um protagonismo tal, que é já tida como a mais importante entrada na história da bolsa mundial. Este facto permitiu até à bolsa de Hong Kong superar este ano – justamente pelo montante total dos capitais atingidos – o New York Stock Exchange.
No plano da política externa, o sector bancário chinês – ainda que, por enquanto, internacionalmente pouco conhecido – parece emergir como um importante instrumento para a estratégia diplomática e económica chinesa. Particularmente em África – onde a China procura assegurar o acesso aos recursos naturais – a política desenvolvida assenta na ideia de que à medida que este gigante asiático exporta crédito, promove o crescimento económico local.
Contudo, persiste uma dúvida. Não obstante um novo pacote legislativo que foi recentemente aprovado em 31 de Outubro – que visa, entre outros aspectos, combater o branqueamento de capitais e, paralelamente, disciplinar as regras no sector bancário – a estrutura e o ambiente dos grandes bancos estatais chineses pouco mudou nos últimos anos. E, num país onde não existe uma verdadeira "cultura de auditoria financeira" o risco de solidez é ainda elevado (recorde-se o caso, ocorrido em 2004, com a seguradora China Life, que alguns meses pós a sua entrada em Wall Street, teve de reconhecer irregularidades contabilísticas).
Um segundo aspecto interessante que resulta desta aproximação da China a África é a possibilidade de – através da China – os países africanos poderem afirmar-se enquanto fortes destinos turísticos mundiais.
Por exemplo, em Novembro último – à margem da cimeira do Fórum China/África, num encontro entre os dirigentes chineses e moçambicanos – a China atribuiu a Moçambique o "Estatuto de Destino Autorizado". Moçambique passa, assim, a integrar uma lista de 29 países africanos – e dos quais já fazem parte alguns países da África Austral como a Tanzânia, o Zimbabué, as ilhas Maurícias, a Zâmbia, a Namíbia e Madagáscar – classificados como destino turístico "recomendado" para os turistas chineses. Através deste Estatuto, o Estado chinês permite que os seus cidadãos – estima-se que a China seja, em 2020, a maior fonte mundial de turistas, com mais de 115 milhões de chineses a viajar fora do país – visitem outros países sem necessidade de autorização da saída, através de agências de viagem autorizadas pelo governo. Nesta medida, existe mesmo uma forte expectativa para que a China invista na área da hotelaria moçambicana, criando novas estruturas. Por outro lado, este encontro confirmou também sinais de reforço da relação de cooperação entre os dois países que passa, entre outras, pela formação de agrónomos moçambicanos e pelo apoio à investigação agrária, pela concretização de parcerias no desenvolvimento de infra-estruturas ligadas à construção de estradas, pontes e barragens.
Termino sublinhando que, para Portugal, país com uma riquíssima e longa experiência histórica de conhecimento cultural e de aproximação quer à China, quer a África, esta Cimeira China/África deve ser conjuntamente vista como uma oportunidade para encetar uma profícua cooperação triangular. É que – como foi oportunamente realçado em Setembro último, aquando do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa – podem estar criadas condições para uma ampla cooperação entre Portugal, os Países Africanos de Língua Portuguesa e a China, em diversas áreas da sociedade e da economia. E este é – exigindo ponderosa e cuidada reflexão – mais um desafio para o executivo de José Sócrates.