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Acreditar em Portugal (3)

Ao contrário do que muitos supõem, existe vida para além dos serviços. A submissão à tese de que Portugal está condenado à terciarização absoluta denota uma atitude derrotista perante as nossas capacidades industriais.

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"Se soubermos aproveitar a vaga da recessão para pegarmos de caras o desafio do desenvolvimento sustentável, potenciando os nossos melhores recursos e combatendo as fragilidades sistémicas, estaremos bem posicionados para a vaga da retoma".


(in Acreditar em Portugal (1), Jornal de Negócios, 20/7/2009)

Ao contrário do que muitos supõem, existe vida para além dos serviços. A submissão à tese de que Portugal está condenado à terciarização absoluta denota uma atitude derrotista perante as nossas capacidades industriais.

O peso do sector terciário, turismo incluído, continuará certamente a aumentar, fenómeno comum à generalidade dos países europeus, mas livremo-nos de desistir das áreas de competência industrial que laboriosamente soubemos construir ao longo de décadas. Não tenhamos o Liechenstein como horizonte.

A experiência, feita do empenho de pequenas e de grandes empresas do sector secundário, é um recurso valioso e uma fonte de competitividade internacional. Se soubermos construir um contexto favorável, amigo das empresas e da iniciativa privada, livre dos muitos constrangimentos administrativos e fiscais que atormentam a vida das PME, poderemos manter um tecido económico diversificado, assente em factores de produção dinâmicos, onde a barateza da mão-de--obra não se constitua como critério dominante.

É certo que alguns sectores se viram severamente abalados pela concorrência global, não se descortinando possibilidades reais de retoma. Sempre que o mercado internacional de trabalho permite uma substituição fácil das localizações industriais, Portugal sofre.

Na fileira têxtil ou na fileira electrónica - sim, as Qimondas da vida não passam de ilusões efémeras, sujeitas como estão a um estatuto subalterno, portanto descartável, na matriz internacional das grandes cadeias de montagem - só sobreviverão as empresas capazes de gerar ou acrescentar valor através da qualidade dos seus processos, da sua engenharia e da originalidade da sua oferta.

A boa notícia é que temos empresas, PME na sua maioria, perfeitamente habilitadas a enfrentar os desafios concorrenciais mais exigentes. O salto que se adivinha no sector das telecomunicações, com o desenvolvimento das redes de nova geração, abre uma excelente janela de oportunidade às empresas produtoras de equipamentos terminais e de rede. Há que aproveitá-la, mobilizando a engenharia portuguesa e os nossos melhores recursos industriais.

Contrariando uma tendência secular, Portugal tem vindo a melhorar significativamente as suas competências tecnológicas, ao ponto de, pela primeira vez, registar um saldo positivo na balança de transferências. Este "momentum" deverá desejavelmente ser carrilado para os sectores de actividade onde possuímos vantagens comparativas, sejam elas devidas a recursos técnicos superiores ou à experiência industrial acumulada.

No calçado, na maquinaria, nos moldes, na metalo-mecânica ligeira, na celulose, na cortiça ou nas cerâmicas, a sustentabilidade passa pela incorporação de tecnologias eficientes e amigas do ambiente. Na indústria das pescas ou das rochas ornamentais, onde possuímos recursos naturais invejáveis, a tecnologia não basta - é preciso, antes do mais, uma nova classe empresarial.

Por fim, o Estado. Se alguma coisa temos aprendido nos ciclos e contra-ciclos recentes, nacionais e internacionais, é que os poderes públicos podem e devem influenciar a esfera económica. Nem sempre o fazem bem. Tal como os agentes económicos, o Estado é pecador. Peca por excesso, peca por defeito, peca por feitio. O meu próximo artigo, o último desta série, versará precisamente esta matéria. E incluirá um rol de penitências.

Economista

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