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02 de Novembro de 2012 às 12:11

A visita da velha senhora

Um comovido alvoroço perpassa pelos sectores da direita, com a vinda a Portugal da senhora Merkel, que vem ver como "se passam as coisas."

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Um comovido alvoroço perpassa pelos sectores da direita, com a vinda a Portugal da senhora Merkel, que vem ver como "se passam as coisas." Diz-se que se preparam manifestações adequadas aos níveis de ressentimento de pessoas e grupos. Há que reflectir, porém, que a velha senhora é, apenas, o factótum de uma política que se generalizou, e tem muito a ver com a queda do Muro e a subsequente ascensão do capitalismo em rédea solta. É curioso e trágico verificar que as previsões de Gunter Grass, tenaz opositor, entre outros, da "reunificação", por calcular os perigos daí advenientes, estejam a cumprir-se. Grass preocupava-se com a recomposição da "Grande Alemanha", atendendo às características de um povo historicamente ressentido.

A Alemanha do pós-guerra beneficiou do apoio norte-americano, mas também europeu, em larga medida sustentado, ideologicamente, pela "ameaça comunista." Há um livro, "EUA e União Soviética", do jornalista e historiador Guilherme Olympio, que relata a esquizofrenia do povo americano, habilmente inculcada e alimentada por técnicos de manipulação. Nesse período, coincidente com o da "caça às bruxas", do senador MacCarthy, o pavor instalado era de tal ordem que, praticamente, não havia casa, nos Estados Unidos, sem dispor de um abrigo antiatómico!

A esmagadora maioria das pessoas tem, da Alemanha, um preconceito de desconfiança e, simultaneamente, de respeito pela qualidade de um povo que cultiva o rigor e a disciplina - por vezes exagerados, seja dito em abono da verdade. Viajei, muitíssimas vezes, pelas duas Alemanhas, quando as havia. E devo confessar que lamento, profundamente, não saber alemão, apenas para ler Goethe no original. Os meus sentimentos, como os da minha geração, relativamente ao país e ao povo, foram sempre uma mistura de admiração e de preocupada simpatia. Li os grandes clássicos e os contemporâneos mais significativos, e tenho preocupado, em vão, saber mais do que as emoções revelam e as observações explicam. Difícil, reconheço-o.

A visita da senhora Merkel aviva esses sentimentos. No contexto actual, ela surge como uma espécie de pró-consulesa em inspecção a parcelas do império. A verdade é que assim é. E não deixo de ficar ainda mais apreensivo quando a imagem zelosa e subalterna de Pedro Passos Coelho surge, nos sinédrios europeus, acentuando a ideia de uma servidão inominável. Fico apreensivo e horrorizado.

Que vem fazer a Portugal a velha senhora alemã? Não se sabe. A imprensa e os meios diplomáticos são omissos. Viagem de cortesia, dizem, a para adoçar a pílula. Saberemos, alguma vez, o teor das conversações, ou se estas irão pautar-se por um diálogo entre iguais?

É preciso não esquecer de que a Alemanha, para sobreviver como grande potência económica, precisa dos chamados "países periféricos", definição cuja natureza e exactidão ignoro. Os governantes portugueses devem saber que Angela Merkel não age nem se comporta com ideias exclusivamente de seu. Ela representa ou simboliza, digamos assim, os grandes grupos económicos e os imensos interesses financeiros do seu país - e não apenas do seu país. Não mais nem menos do que isso.

O alvoroço da direita tem muito a ver com servidão, com subalternidade cultural e económica que, historicamente, conduziu, por exemplo, os franceses a repugnantes abdicações morais. Basta lembrar o "colaboracionismo" de largas faixas da população, como de muitos e importantes intelectuais. Relembrar estes factos é pedagógico, para, sobretudo, não esquecermos que o fascismo está sempre presente, sob várias formas e disfarces, e que o "ovo da serpente" [Ingmar Bergman] nunca foi totalmente esmagado.


UM LIVRO DE EDMUNDO PERDIZ

Edmundo Perdiz foi meu camarada na Redacção do "Diário Popular." Sempre lhe apreciei a tenacidade de espírito, a grandeza de carácter e a urgência que sentia em dizer, em procurar o sentido das coisas e da vida. Trabalhou e estudou incansavelmente. E foi um jornalista invulgarmente probo e decente. Publicou, agora, pela Chiado Editora, um livro de narrativas, "Fogo Brando", que condensa parte das suas preocupações humanas, éticas e sociais. É um volume que fala de gente simples, de episódios da vida quotidiano, daqueles com os quais nos cruzamos, por vezes com indiferença. "Fogo Brando" é escrito com a volúpia de quem ama os arranhados e desfavorecidos, na linha de uma grande tradição novelística portuguesa.



b.bastos@netcabo.pt


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