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02 de Setembro de 2010 às 09:24

A vida está cara em Maputo

Passavam menos de 24 horas dos tumultos que assolaram a capital Moçambicana e já (ou ainda) o incansável Erik Charas nos dava o retrato de como Maputo acordaria hoje para o “day after” no site do seu jornal @Verdade.

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Passavam menos de 24 horas dos tumultos que assolaram a capital Moçambicana e já (ou ainda) o incansável Erik Charas nos dava o retrato de como Maputo acordaria hoje para o “day after” no no site do seu jornal @Verdade

Pelas 4h da manhã, a reportagem do meu amigo informava que as estradas já se encontravam desobstruídas e limpas, mas que não havia sinais de transportes públicos a circular. Mas ainda era cedo.

Pela minha experiência enquanto cidadão Português a gerir uma empresa em Maputo desde 2007, não espero muito mais “confusão”, como se diz por aqui. Simplesmente porque, por estas bandas, o fenómeno não é novo.

Vivi a mesmíssima situação a 5 de Fevereiro de 2008, dia de protestos contra o aumento do preço da viagem nos chapas* dos 5 para os 7,5 meticais no auge da crise petrolífera.

Cortes nas estradas – fáceis de fazer quando a cidade tem apenas três entradas por via terrestre – pneus queimados para empolar a névoa em que o povo vive e chocar os olhos de quem, em Portugal, vê um noticiário à hora de jantar, corridas às bombas de gasolina e negócios fechados.

Para registo, convém lembrar que o Governo, apanhado de surpresa na altura, cedeu em toda linha, mantendo os preços dos chapas e combustíveis inalterados até hoje. A diferença dos seus custos passou a ser subsidiada por um Orçamento de Estado alimentado em 50% pelos 19 doadores estrangeiros – 17 países, mais o FMI e Banco Mundial.

A situação de ontem foi bastante similar, pelo que agora se aguarda com enorme expectativa a reacção de um poder político que teima em não assumir as suas responsabilidades pela degradação do poder de compra (o que se adquire com 1,5 dólares por dia?) do seu povo.

Mas que não se coíbe de exibir, a cada dia, carros mais exuberantes dos que circulam pela Quinta da Marinha. Que assobia para o lado quando o maior financiador privado do regime é procurado pela Administração Obama por tráfico de droga e suspeição de financiar actividades terroristas no mundo Muçulmano.

No centro de Maputo, a cidade branca - das grandes empresas, ONG’s e das 17 agências das Nações Unidas ali estacionadas - coexiste pacificamente com as sempiternas e imaculadas vicissitudes do aparelho estatal.

Por isso, mais chapa menos chapa, o mais provável é que tudo regresse ao normal rapidamente, sem grandes transtornos para um Primeiro Mundo que – ou tem pele clara ou se chama Frelimo - ali se instalou.

É verdade que não deixa de ser preocupante e assustador ver as fotos das primeiras páginas dos jornais de hoje. É verdade que arrepia ler títulos como “Dez mortos e mais umas dezenas de feridos” nos confrontos.

Mas depois de ter visto um miúdo, à porta do meu escritório, com não mais de 7 anos a atirar-se para a morte debaixo de um carro porque a sua moeda de 5 meticais tinha-lhe escorregado da mão para a estrada, fiquei a saber que, afinal, em África, a vida até tem um preço.

Neste caso, cerca de 10 cêntimos de euro. O que, pelas minhas contas, é um valor mais de 10 vezes menor do que os 1,5 dólares que a maioria dos Moçambicanos tem para se governar por dia.


*Chapas – nome dado às milhares de velhas carrinhas brancas de marca Toyota Hi-Ace, geridas por privados sem rosto e geralmente afectos ao regime Frelimo, que providenciam uma espécie de serviço de transporte colectivo de passageiros.

Ricardo Domingos
Gestor em Maputo


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