Opinião
A VI Conferência da CPLP em Bissau
Há cerca de duas semanas realizou-se, na Guiné-Bissau, a VI Conferência de Chefes e Estado e de Governo da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Coincidentemente comemoraram-se os dez anos de existência da organização, fundada em 17 de Julho de 1996.
Seria de esperar que à volta deste acontecimento se tivesse produzido um debate aprofundado e diversificado sobre o que foi a acção da CPLP e o papel que ela poderá desempenhar no futuro, não apenas no plano do relacionamento interno mas também no plano do relacionamento do conjunto dos países que integram a organização com o mundo. A realidade, porém, foi bem diferente. Tirando as circunstanciais referências jornalísticas e um ou outro comentário mais atento, o impacto da Conferência foi muito reduzido, não chegando a mobilizar verdadeiramente o interesse dos agentes políticos, económicos ou culturais, com capacidade e responsabilidade de reflexão estratégica e, em última análise, com capacidade de dar conteúdo concreto e substância orgânica à própria CPLP.
Desde logo o tema geral escolhido para a Conferência, «Os objectivos de desenvolvimento do Milénio – Desafios e Contribuições da CPLP», pedido de empréstimo às Nações Unidas, se bem que nobre e sem dúvida ajustado à realidade de muitos dos países que integram a organização, senão mesmo da totalidade, peca for falta de especificidade. Esperar-se-ia que o tema de uma cimeira de países que constroem uma organização com base em particularidades e interesses assumidamente comuns, e ao fim de dez anos de vida, tivesse mais a ver com essa realidade e se orientasse, sobretudo, no sentido de reforçar a identidade de grupo e de a projectar no contexto internacional. Porém, na prática a CPLP assumiu uma condição passiva, de veículo de execução de estratégias alheias que, se bem que fundamentais, não chegam para esconder a ausência da capacidade de produzir um interesse próprio e de uma acção em conformidade.
Por outro lado, a Conferência realizou-se num contexto de ausência de iniciativas visíveis da própria CPLP e daí, talvez, a dificuldade em encontrar um tema específico. Com efeito, entre a 5ª e a 6ª Conferências ou, para irmos à raiz dos problemas, praticamente desde a fundação da CPLP, não se produziram iniciativas de relevo que evidenciassem a importância efectiva da organização ou a concretização de um projecto comum de intervenção. A maior parte das iniciativas foi de carácter burocrático ou institucional não se tendo evidenciado uma actividade concreta no sentido de dar conteúdo ao espírito da CPLP, de potenciar um espaço interno de cooperação e, muito menos, de afirmar o grupo no contexto das relações internacionais.
Sem dúvida que foi criado o IILP – Instituto Internacional da Língua Portuguesa, foi organizado o Fórum Empresarial da CPLP, para além de outras iniciativas, todas elas com indiscutível mérito e interesse, mas a realidade é que até agora não produziram resultados palpáveis, indiciadores de dinâmicas efectivas de reforço da organização e de aprofundamento do ideal comum de cooperação. Mesmo no que diz respeito à promoção e valorização da língua portuguesa, um dos objetivos fundamentais da constituição da CPLP, é duvidoso que se tenha tirado partido do facto de ser uma língua falada por mais de 230 milhões de pessoas, presentes não apenas nos países de origem mas espalhadas pelas diásporas nos cinco continentes, de estar na origem de diversos crioulos e de ter dado vocábulos a outras línguas. Pode-se imaginar a importância que uma acção efectiva e coordenada de ensino da língua portuguesa, de promoção da cultura lusófona, de utilização da internet, poderia ter no plano da promoção internacional dos diferentes países membros, com efeitos seguramente não negligenciáveis a nível económico, particularmente se tivermos em conta que o português é uma das poucas línguas com características de difusão global, juntamente com o inglês, o francês e o espanhol. E aqui não era preciso inventar muito, bastaria fazer o que os outros fazem neste domínio.
E se alguém ainda tem dúvidas sobre o dinamismo da CPLP e da sua estrutura basta dar uma olhada ao site oficial, www.cplp.org, para encontrar a expressão acabada de uma organização burocrática e pouco interventiva onde, passadas quase duas semanas da realização do evento, não se encontra qualquer documento ou sequer uma simples referência à Cimeira de Bissau.
Não temos dúvidas de que a CPLP é uma iniciativa fundamental, que a sua VI Cimeira foi importante para a recuperação da credibilidade interna e internacional das instituições governativas da Guiné-Bissau, que os objectivos de desenvolvimento do Milénio podem ter uma tradução concreta e decisiva nos países que integram a organização e que a CPLP possa ser um veículo mobilizador da atenção internacional para os problemas que afectam esses países. Mas convenhamos que é pouco para uma organização que leva já dez anos de existência e que herda um património colectivo com mais de cinco séculos de construção.
Não deixa de ser significativo que a importância da CPLP seja vista mais por terceiros do que pelos próprios membros que a criaram e que lhe dão razão de ser. É inaceitável, sejam quais forem as razões invocadas, que o Presidente em exercício da CPLP, o Presidente de S. Tomé e Príncipe, não esteja presente para transmitir o testemunho ao novo Presidente, o Presidente da Guiné-Bissau, e que o Presidente do principal país e grande impulsionador – o Brasil – tenha desvalorizado com a sua ausência a importância da Cimeira. Em contrapartida destaque-se o interesse manifestado pela Guiné Equatorial e pelas Ilhas Maurícias em aderirem à organização e, mais do que tudo, registe-se o interesse da China que financiou com 800 mil dólares a organização do evento, em coerência com a sua política activa de penetração na África lusófona, com destaque para Angola.
Esta atitude da China devia ser objecto de profunda reflexão e deveria servir mesmo de referência para aquilo que importa fazer no sentido de dar conteúdo e expressão concreta aos objectivos e princípios da CPLP. A CPLP não pode limitar-se a ser uma mera plataforma de encontros políticos de circunstância, de acerto de interesses casuísticos ou de mobilização de ajudas internacionais para o desenvolvimento, sem qualquer menosprezo pela importância do objectivo. Tem de ser, sobretudo, uma organização interventiva que pela sua acção e iniciativas promova as condições para uma progressiva integração do espaço lusófono, no respeito pela identidade de cada membro, mas na convicção de que todos têm a ganhar com a criação de espaços comuns de realizações culturais, económicas e políticas, que potenciem as capacidades particulares e que, ao mesmo tempo, projectem o conjunto no espaço global, explorando as vantagens próprias da centralidade que resulta da multicontinentalidade dos seus membros, da especificidade que advém da identidade comum, da escala que representa o somatório de espaços geográficos e de recursos e, sobretudo, explorando o potencial da existência de uma vontade de afirmação colectiva no plano das relações internacionais.
E não temos dúvidas de que não será só a China a interessar-se em estreitar relações com um espaço lusófono assumido e interventivo à escala global.