Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
02 de Setembro de 2010 às 11:34

A transmissão de estabelecimento

Operações de fusão e aquisição são fenómenos vulgares nos dias que correm. Saiba o que sucede aos direitos dos trabalhadores e o que diz a legislação sobre este tema.

  • 1
  • ...
O tecido empresarial tem demonstrado, até hoje, funcionar com uma tendência algo bipolarizada entre concentração e dispersão de entidades. É compreensível que tal aconteça pois, em determinados períodos, as empresas com maior dimensão, capitalização, financiamento e liquidez, conseguem conquistar mercado e economias de escala adquirindo interessantes pequenos e médios negócios.

Ora, a instalação destas tendências leva a que outros concorrentes de similar dimensão venham a optar por estratégias semelhantes, gerando assim tendências centralizadoras. Mais tarde, em períodos de reestruturação ou de grande prosperidade, ou ainda em mercado tecnologicamente avançados e especializados, é normal assistirmos a uma tendência inversa de descentralização, venda de negócios adquiridos ou áreas da empresa, "spin-off" e MBO ("magement buy-out"). A verdade é que nem uma tendência nem outra se colam particularmente a momentos expansionistas ou recessivos em geral, mas especialmente ao comportamento do mercado em sectores específicos, indirectamente influenciados pela conjuntura macro, mas não só.

Na actual conjuntura, é provável que venhamos a assistir a um incremento de tendências de dispersão nalguns mercados, e noutros as inversas. Parece-nos, assim, importante analisar o impacto na gestão de recursos humanos, nos processos de transferências de empresas e estabelecimentos.

A transmissão da titularidade por qualquer título, incluindo nomeadamente o trespasse, fusão, cisão, cessão ou reversão da exploração, de empresa ou estabelecimento ou, ainda, de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, tem vindo a revelar-se um fenómeno de ocorrência diária com grandiosa importância para a teoria económico-jurídica, uma vez que afecta os direitos dos trabalhadores envolvidos, merecendo a tutela da legislação nacional (Código do Trabalho (CT) - actual Lei n.º 07/2009, de 12 de Fevereiro) e comunitária (actual Directiva 2001/23/CE do Conselho de 12 Março de 2001), sem prejuízo do reconhecimento do direito dos empregadores à livre iniciativa económica e exercício do seu poder de organização empresarial.

Apesar das sucessivas alterações legislativas, os principais aspectos deste regime têm vindo a ser mantidos e embora a legislação nacional tenha importado o estabelecido a nível comunitário não evitou pontos de conflito entre as decisões do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) e as decisões dos Tribunais nacionais.

Desde logo, o actual CT prevê que, independentemente do acordo dos trabalhadores, se transmite para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho vigentes abrangidos pela transmissão, salvo se os trabalhadores continuarem ao serviço do transmitente noutro estabelecimento deste por aplicação do regime da mudança do local de trabalho até ao momento da transmissão. Neste último caso tem-se exigido que o motivo justificativo da mudança de local de trabalho não seja a previsão da própria transmissão, a fim de evitar situações de abuso de direito em que o empregador esvazia o estabelecimento a transmitir (para obtenção de maior lucro) através da colocação dos trabalhadores noutro estabelecimento seu cujo destino decidirá posteriormente, prejudicando os trabalhadores que não podem optar por acompanhar o estabelecimento a transmitir e que, mais tarde, poderão vir a sofrer um despedimento colectivo por extinção do estabelecimento em que se encontram.

Importa também notar que o TJCE tem vindo a defender que os trabalhadores não podem ser obrigados a continuar a sua relação laboral com uma pessoa com a qual não contrataram, cabendo ao direito nacional de cada Estado-membro definir o que sucede à relação caso o trabalhador se recuse a prosseguir a mesma. Entre nós, a resistência ao reconhecimento deste direito de oposição por parte dos trabalhadores em geral para manterem o vínculo com o transmitente é, ainda, patente. Assim, restará aos trabalhadores, salvo acordo em contrário, apenas a possibilidade de resolução do contrato de trabalho ou denúncia com aviso prévio nos termos gerais.

Para além da posição do empregador, transmite-se, ainda, para o adquirente a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.

Adicionalmente, existe uma responsabilidade solidária do transmitente pelas obrigações transmitidas (não se tratando apenas de créditos remuneratórios), duplamente limitada às obrigações vencidas até à data da transmissão e ao prazo de um ano subsequente à sua realização. Em caso de cessão ou reversão da exploração é solidariamente responsável quem imediatamente antes tenha exercido a exploração. Saliente-se, ainda, que o CT de 2009 não inclui, com evidentes vantagens para os trabalhadores e prejuízo para o adquirente, o previsto no anterior CT (2003), ou seja, a possibilidade do adquirente poder fazer afixar um aviso nos locais de trabalho, dando conhecimento aos trabalhadores que deviam reclamar os seus créditos no prazo de três meses, sob pena de não se lhe transmitirem.

Todavia, tanto o transmitente como o adquirente encontram-se obrigados a informar, por escrito, em tempo útil e com pelo menos 10 dias de antecedência da consulta mencionada infra, aos representantes dos trabalhadores e na sua ausência aos trabalhadores da data, motivos e consequências jurídicas, económicos e sociais da transmissão a ocorrer.

Estando previstas eventuais medidas a serem tomadas relativamente aos trabalhadores, o transmitente e adquirente encontram-se obrigados a iniciar um processo de consultas com os representantes dos respectivos trabalhadores, tendo em vista alcançar um acordo quanto a essas medidas.

A falta de cumprimento dos deveres de informação e consulta constituem a prática de uma contra-ordenação leve, mas não inviabilizam a transmissão.

Os direitos colectivos dos trabalhadores também se encontram acautelados mediante a aplicabilidade ao adquirente do Instrumento de Regulamentação Colectiva do transmitente nos prazos e condições legalmente previstos. O CT também prevê regras específicas de protecção e conservação das estruturas de representação dos trabalhadores após a transmissão.




Tome nota




1 - A transmissão da titularidade de empresa ou estabelecimento ou, ainda, de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, encontra-se regulada pela legislação comunitária e nacional, consagrando deveres de informação, consulta e protecção dos direitos colectivos dos trabalhadores.

2 - O actual conceito de transmissão é particularmente amplo, abrangendo situações de cessão e reversão de exploração da empresa ou estabelecimento. O conceito de unidade económica precisa de concretização.

3 - A posição de empregador transmite-se para o adquirente e passa a existir uma responsabilidade solidária do transmitente pelas obrigações transmitidas.



*Associada da Teixeira de Freitas, Rodrigues e Associados
claudia.torres@tfra.pt

**Regional Director Hays
duarte.ramos@hays.pt



Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio