Opinião
A tolerância nas empresas
As empresas são entidades com uma esperança de vida muito incerta. Muitas empresas desaparecem e a maioria das novas iniciativas empresariais têm grandes dificuldades em vingar. Por outro lado, algumas empresas têm uma vida invejavelmente longa. Esta assi
Esta assimetria pode por vezes ser entendida como injusta, até porque associamos às empresas mais vetustas uma rentabilidade e poder superior às demais.
As empresas são seres vivos, mas existem na Terra há relativamente pouco tempo. Os autores desta área discordam sobre a altura do aparecimento das empresas, mas muitos acreditam que este tipo de organização surgiu com algum significado nos últimos 500 anos. Precisamente o período mais recente da nossa história em que a Humanidade mais se desenvolveu, pelo menos em termos materiais, e em que se criou inúmeros produtos e serviços que alteraram dramaticamente a qualidade de vida das pessoas, pelo menos nos países desenvolvidos.
É por isso surpreendente que exista uma tão grande desconfiança na nossa sociedade face às empresas. Elas são acusadas de ter líderes desonestos ou mal-formados, de prosseguirem lucros de forma gananciosa e sem respeito por terceiros e de procurarem sem escrúpulos exercer o seu poder.
Esta desconfiança, expressa na opinião publicada ou no discurso de governantes contrasta com a aparente grande confiança com que se transacciona com as empresas bem sucedidas. Os consumidores confiam nos produtos e serviços das empresas com mais reputação, que muitas vezes são também antigas. Os trabalhadores sentem-se mais seguros em empresas com maior visibilidade ou respeitabilidade. Em grandes transacções, confia-se mais na capacidade de honrar compromissos das empresas mais reconhecidas. Aliás, quando uma empresa com tradições não honra os seus compromissos, ou fica perto da ruptura financeira, o assunto é tratado com um misto de surpresa (por isso é notícia) e, por vezes, com alguma satisfação moralista (a empresa está a ser vítima da suas próprias práticas abusivas).
Pelo contrário nas universidades, ou pelo menos nas escolas de gestão, tenta-se compreender e emular o sucesso das empresas de maior longevidade e rentabilidade. Aliás, a debilidade do tecido económico português manifesta-se também na inexistência de empresas suficientes com longevidade e respeitabilidade.
Aparentemente as nossas empresas têm tido dificuldades em lidar com as transformações políticas e sociais. Se calhar tivemos mais mudanças de regime político do que alguns dos nossos parceiros. Nas mudanças de regime, os direitos de propriedade, tão importantes para o funcionamento das empresas, têm tendência a não ser respeitados, mas parece-me que seria incorrecto atribuir exclusivamente às várias convulsões políticas dos últimos cem anos a debilidade do nosso tecido empresarial. Aliás, este tipo de conclusão seria mesmo nefasto, porque daria a ideia de que temos uma desvantagem permanente face aos nossos parceiros mais estáveis.
Aqui é que a metáfora da empresa como organismo vivo pode ser mais útil. Muitas empresas procuram perpetuar-se no tempo, mais do que maximizar a sua rentabilidade num determinado período. Certamente que as empresas mais antigas têm tido uma sucessão de líderes que procura a manutenção da identidade e autonomia empresarial. Muitas empresas beneficiariam bastante se os donos ou gestores actuais tivessem planos de sucessão claros. Mais do que a designação prévia do sucessor (típica nas monarquias ou nas ditaduras), é mais útil às empresas a existência de um processo em que o mais competente ou apto possa ser escolhido. Os gestores deviam resistir à tentação de se perpetuar nas suas funções, ou pior ainda, fazer como os faraós egípcios que levavam os bens para as suas pirâmides funerárias.
Os organismos vivos são particularmente eficazes a lidar com as alterações no meio ambiente (temperatura, luz, humidade, etc.). As empresas bem sucedidas mais antigas certamente já mudaram de negócios e estratégia muitas vezes ao longo da sua vida. São por isso empresas que têm no seu sistema de valores conceitos como flexibilidade, tolerância e redundância. Estas são características de quase todos os organismos vivos necessárias para lidar com os imprevistos da vida na Terra.
A tolerância na vida empresarial é particularmente importante para as empresas portuguesas, já que na nossa sociedade dominam os valores do autoritarismo (partilhados aliás por governadores e governados). Contudo, é na tolerância com que se aceitam outras ideias e pessoas no seio da empresa que se cria as sementes que permitirão renovar a estratégia e a liderança e propiciar uma vida longa a cada organização.
As empresas bem sucedidas com vidas longas são tolerantes e respeitam a liberdade e a iniciativa dos seus colaboradores, sem colocar em causa as necessidades de coordenação e controle existentes em todas as empresas comerciais.