Opinião
A Sinfonia de Van Gogh
Quando me falavam de criatividade como um grande factor de desenvolvimento económico ou de sucesso nos negócios, costumava rir-me para dentro. Sim, é importante, mas é apenas mais um factor, costumava pensar para mim...
Quando me falavam de criatividade como um grande factor de desenvolvimento económico ou de sucesso nos negócios, costumava rir-me para dentro. Sim, é importante, mas é apenas mais um factor, costumava pensar para mim. Mas não, reconheço que pode ser determinante. Prova provada é o que passa em Tuscarora, no Nevada americano, onde um problema gravíssimo - a praga anual de grilos mórmones - é combatida com uma solução altamente criativa.
Pois é, estes grilos semeiam o pandemónio entre Maio e Agosto, aparecendo em altos números e devorando tudo à sua passagem. E se em alguns anos não são suficientes para criarem um problema sério, de poucos em poucos anos são tantos que até pelas casas entram, o que faz a população fugir. Isto até que há três anos foi descoberta uma solução eficaz, que aparentemente os deixa pregados no chão, sem vontade de continuar a avançar: hard rock. É assim que este ano, pela terceira vez, toca de tirar as altas fidelidades cá para fora, pô-las em arco apontadas ao deserto e vai disto, com o som em altos berros: Led Zeppelin, Rolling Stones e seus congéneres põem esta malta dos grilos nervosa. E é só ver quem aguenta mais, os homens ou as bestas - neste caso, grilos.
Diga-se de passagem que em certos casos posso compreendê-los, a eles, grilos. Não é preciso ser grilo para, quando se ouve o Murmainder dos Dethklok, já não se querer ouvir o resto do álbum. E o Salvaged dos Earth from Above parece isso mesmo, os restos de uma noite de terror; aliás, os Earth from Above têm a música mais verdadeira que conheço, o seu Vital Signs of a Rude Awakening, pois é isso mesmo, particularmente se estávamos a dormir. Ao pé destes o Punk Motherfucker dos Funkstörung ou o Deliverance dos Opeth até parecem música normal, e os velhinhos Deep Purple seriam confundidos com uma orquestra sinfónica a interpretar Mozart.
Mas mais do que lembrar-nos que os grilos podem ser um problema, Tuscarora chama-nos a atenção para uma realidade muito mais importante e que tem que ver com o valor intrínseco do hard rock em particular, e da Música em geral. A Música é geradora de externalidades: quando estou a ouvir música, não só tenho prazer como quem está perto de mim e desfruta da música tem igualmente prazer - ou desprazer, se não gosta. Ou seja, eu estar a gozar deste bem permite a outros, que por ele não pagaram, estar também a beneficiar dele.
Podemos aproveitar para tirar partido desta propriedade e dar à música um novo valor, pensando não apenas no nosso prazer mas também no efeito que se produz sobre os outros. Por exemplo, para evitar futuras crises como a que atravessamos, formar equipas de supervisão que entrariam nos bancos para as acções inspectivas ao som do Bad Boys dos Inner Circle, trauteando "Bad boys, bad boys, whatcha you gonna do when the cops come for you". Corta-lhes rente a vontade de se meterem nos produtos tóxicos. A única defesa, consta, seria ir buscar o The Letter dos Queen Samantha.
Nas Repartições de Finanças poderíamos ser recebidos ao som de Moacyr Franco, com o célebre Ei, Você Aí, Me Dá Um Dinheiro Aí, Me Dá Um Dinheiro Aí. Poderíamos, claro, responder na linha Simon & Garefunkel: I am just a poor boy… Eu, quando recebesse a visita de um homem do fisco, poria a tocar bem alto o Kill You, do Eminem, na parte do "I'ma pull you to this bullet, and put it through you", para lhes fazer como aos grilos.
Já a Assembleia da República seria conhecida pela música dos Pink Floyd "Several Species of Small Furry Animals Gathered Together in a Cave and Grooving with a Pict", e dentro dela ouvir-se-ia a intervalos regulares o início do "Time", na parte dos relógios e despertadores, para que os nossos deputados não passassem a vida a dormir. Os deputados, esses, estariam sempre a cantar Darius Rucker, no seu "Don't Think I Don't Think About It", mas só a música, que lá na casa não passam disso, é só música. Ouvir o Canal Parlamento é como aquela notável composição de música country "I Don't Know Whether To Kill Myself Or Go Bowling", e estar nas galerias da Assembleia só faz pensar no Hino do Sporting: Só Eu Sei Porque Não Fico Em Casa.
Nos Conselhos de Ministros a coisa piaria mais para o Heavy Metal ou o Grunge, para afugentar os grilos falantes. E não tenho pena deles, nem dos Ministros, nem dos grilos. Só tenho pena dos coitados dos jornalistas que têm que gramar as conferências de imprensa no fim dos Conselhos. Ao pensar nesses desgraçados, que têm que ali ficar a ouvir aquilo para poderem escrever um artigo para o jornal do dia seguinte, compreendo Van Gogh - se eu também lá tivesse que estar, a ouvir semana após semana aqueles rosários, acho que cortava uma orelha. Ou talvez as duas.
Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando perguntámos a Frederico o que acha de os habitantes de uma cidade americana cantarem para espantar grilos, Frederico respondeu: "Então não se diz que quem canta seus males espanta? Pelos vistos, só não funciona com os impostos."
Pois é, estes grilos semeiam o pandemónio entre Maio e Agosto, aparecendo em altos números e devorando tudo à sua passagem. E se em alguns anos não são suficientes para criarem um problema sério, de poucos em poucos anos são tantos que até pelas casas entram, o que faz a população fugir. Isto até que há três anos foi descoberta uma solução eficaz, que aparentemente os deixa pregados no chão, sem vontade de continuar a avançar: hard rock. É assim que este ano, pela terceira vez, toca de tirar as altas fidelidades cá para fora, pô-las em arco apontadas ao deserto e vai disto, com o som em altos berros: Led Zeppelin, Rolling Stones e seus congéneres põem esta malta dos grilos nervosa. E é só ver quem aguenta mais, os homens ou as bestas - neste caso, grilos.
Mas mais do que lembrar-nos que os grilos podem ser um problema, Tuscarora chama-nos a atenção para uma realidade muito mais importante e que tem que ver com o valor intrínseco do hard rock em particular, e da Música em geral. A Música é geradora de externalidades: quando estou a ouvir música, não só tenho prazer como quem está perto de mim e desfruta da música tem igualmente prazer - ou desprazer, se não gosta. Ou seja, eu estar a gozar deste bem permite a outros, que por ele não pagaram, estar também a beneficiar dele.
Podemos aproveitar para tirar partido desta propriedade e dar à música um novo valor, pensando não apenas no nosso prazer mas também no efeito que se produz sobre os outros. Por exemplo, para evitar futuras crises como a que atravessamos, formar equipas de supervisão que entrariam nos bancos para as acções inspectivas ao som do Bad Boys dos Inner Circle, trauteando "Bad boys, bad boys, whatcha you gonna do when the cops come for you". Corta-lhes rente a vontade de se meterem nos produtos tóxicos. A única defesa, consta, seria ir buscar o The Letter dos Queen Samantha.
Nas Repartições de Finanças poderíamos ser recebidos ao som de Moacyr Franco, com o célebre Ei, Você Aí, Me Dá Um Dinheiro Aí, Me Dá Um Dinheiro Aí. Poderíamos, claro, responder na linha Simon & Garefunkel: I am just a poor boy… Eu, quando recebesse a visita de um homem do fisco, poria a tocar bem alto o Kill You, do Eminem, na parte do "I'ma pull you to this bullet, and put it through you", para lhes fazer como aos grilos.
Já a Assembleia da República seria conhecida pela música dos Pink Floyd "Several Species of Small Furry Animals Gathered Together in a Cave and Grooving with a Pict", e dentro dela ouvir-se-ia a intervalos regulares o início do "Time", na parte dos relógios e despertadores, para que os nossos deputados não passassem a vida a dormir. Os deputados, esses, estariam sempre a cantar Darius Rucker, no seu "Don't Think I Don't Think About It", mas só a música, que lá na casa não passam disso, é só música. Ouvir o Canal Parlamento é como aquela notável composição de música country "I Don't Know Whether To Kill Myself Or Go Bowling", e estar nas galerias da Assembleia só faz pensar no Hino do Sporting: Só Eu Sei Porque Não Fico Em Casa.
Nos Conselhos de Ministros a coisa piaria mais para o Heavy Metal ou o Grunge, para afugentar os grilos falantes. E não tenho pena deles, nem dos Ministros, nem dos grilos. Só tenho pena dos coitados dos jornalistas que têm que gramar as conferências de imprensa no fim dos Conselhos. Ao pensar nesses desgraçados, que têm que ali ficar a ouvir aquilo para poderem escrever um artigo para o jornal do dia seguinte, compreendo Van Gogh - se eu também lá tivesse que estar, a ouvir semana após semana aqueles rosários, acho que cortava uma orelha. Ou talvez as duas.
Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando perguntámos a Frederico o que acha de os habitantes de uma cidade americana cantarem para espantar grilos, Frederico respondeu: "Então não se diz que quem canta seus males espanta? Pelos vistos, só não funciona com os impostos."
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