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29 de Dezembro de 2011 às 23:44

A segunda idade de ouro da industrialização

O economista Barry Eichengreen afirmou "que a idade de ouro das finanças chegou ao fim". Se tal é verdade - e esperemos que seja - o que se segue deverá ser, muito provavelmente, uma nova idade de ouro da industrialização.

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Em termos históricos, excepto para as poucas economias exportadoras de petróleo, nunca nenhum país se tornou rico sem se industrializar. Por isso, todos os olhos devem estar virados, hoje em dia, para os sectores reais das nossas economias. Confrontados com a crise financeira global que impera na Europa, os líderes políticos em todo o mundo estão a acordar para uma nova dura realidade: os países desenvolvidos vão perder os actuais padrões de vida, a não ser que deixem de depender excessivamente de negócios financeiros e que se comecem a reconstruir a partir do zero. A comunidade global tem de olhar para além da Zona Euro e da crise da dívida soberana e prestar atenção à oportunidade de transformação estrutural dos sectores reais no mundo em desenvolvimento. Por transformação estrutural, refiro-me ao processo pelo qual os países sobem na escala industrial - a sua força de trabalho transita para sectores da indústria transformadora com maior valor acrescentado à medida que as suas fontes de produção avançam.

Ao longo de todo o ano de 2011, fiquei surpreendido com o potencial de alguns países menos desenvolvidos - incluindo na África Subsariana - em seguirem os países com uma industrialização bem sucedida do este asiático, como, por exemplo, Japão, Coreia do Sul, Singapura, Malásia, China e Vietname. De facto, ao centrar os esforços de desenvolvimento nas vantagens comparativas dos países mais pobres, podemos recolocar a confiança no sector empresarial e revigorar o investimento na criação de postos de trabalho - não apenas nos países em desenvolvimento mas também nas economias avançadas. A actual crise financeira global, que está enraizada nos problemas estruturais das nações desenvolvidas, exige políticas de investimento e de inovação, a par de medidas monetárias ou orçamentais.

Nos países avançados, os custos com a investigação e o desenvolvimento são bastante elevados, porque as tecnologias e as indústrias são já de vanguarda. Pelo contrário, os países em desenvolvimento, incluindo os da África Subsariana, têm potencial para expandir rapidamente os seus sectores industriais, dado que podem pedir tecnologia emprestada aos países avançados, com baixo risco e a baixo custo. Por isso, o atraso dos países em desenvolvimento em termos tecnológicos e industriais significa que podem crescer, durante décadas, a uma taxa anual muitas vezes mais elevada do que a dos congéneres mais ricos, antes mesmo de se estreitar a disparidade entre os rendimentos de ambos os grupos de países.

Em Maio passado, em Maputo, Moçambique, participei na palestra anual sobre o desenvolvimento na Universidade das Nações Unidas. Expliquei como é que a fórmula vencedora para os países em desenvolvimento é aquela em que estes fortalecem as indústrias de bens comercializáveis que têm crescido, desde há várias décadas, nos países mais ricos, países esses cujas estruturas de factores de produção são semelhantes às suas.

O paradigma dos "gansos voadores" é uma metáfora útil para explicar esta ideia. No início do século XVIII, os países menos desenvolvidos da Europa Ocidental e do este asiático seguiram o exemplo dos seus vizinhos melhor sucedidos: imitando esse paradigma dos "gansos voadores", beneficiavam dos ventos favoráveis desencadeados pelos países líderes. Industrializavam-se primeiro e, depois, tornavam-se países avançados.

As economias de mercados emergentes grandes e dinâmicos que se industrializaram de modo acelerado (nomeadamente o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul) oferecem oportunidades sem precedentes para outras economias em desenvolvimento, possibilitando que estas imitem o seu sucesso - e, assim, iniciem os seus próprios processos de industrialização. A China - antes um "ganso seguidor" - está perto de se tornar num líder, com potencial para realocar 85 milhões de postos de trabalho industriais de baixa qualificação na próxima década.

A escala desta mudança é enorme quando comparada com os 9,7 milhões de empregos que o Japão criou no sector moderno nos anos 60 e com os 2,3 milhões de novos empregos criados pela Coreia do Sul nos anos 80. Uma tendência semelhante irá emergir noutras economias emergentes. Na realidade, isso já está a acontecer: o investimento directo estrangeiro da China alcançou os 68 mil milhões de dólares em 2010, superando o do Japão e o do Reino Unido. Os da Índia, do Brasil, da Rússia e da Coreia do Sul não estão assim tão distantes. Além do mais, o investimento directo da Índia está fortemente concentrado no sector industrial, representando 42,7% do total entre 1999 e 2008.

Para que os países em desenvolvimento beneficiem totalmente da modernização industrial na China e noutras economias emergentes, os seus governos têm de identificar que indústrias de bens transaccionáveis são consistentes com a sua vantagem comparativa. Os governos precisam também de ajudar as empresas privadas a lidarem com a informação, com a coordenação e com questões externas ligadas ao processo de modernização.

Uma rápida industrialização nos países em desenvolvimento vai exigir uma considerável quantidade de importações de equipamentos de capital às nações avançadas. Dado que os países em desenvolvimento contribuíram para dois terços do crescimento global do PIB e das importações nos últimos cinco anos, o facto de eles se centrarem na promoção do desenvolvimento dos seus sectores industriais poderá beneficiar os países avançados, ao impulsionar a procura. Desse modo, poder-se-á tirar o mundo do actual mal-estar económico.

Em resumo, a iminente idade de ouro da industrialização nos países em desenvolvimento vai ajudar a criar empregos e vai dinamizar a recuperação das nações avançadas. Os benefícios desta nova era vão atingir dois níveis: vão contribuir para que se alcancem os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, das Nações Unidas - o plano para reduzir a pobreza a metade até 2015 -; e vão também ajudar a conduzir a recuperação global. Assim, poderemos assistir a uma idade de ouro para todos.

Justin Yifu Lin é economista-chefe e vice-presidente para a economia do desenvolvimento no Banco Mundial e autor de Demystifying the Chinese Economy.
© Project Syndicate, 2011.
www.project-syndicate.org
Tradução: Diogo Cavaleiro
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