Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
Justin Yifu Lin 01 de Janeiro de 2016 às 13:00

A visão chinesa da Rota da Seda

A comunidade internacional está demasiadamente preocupada com os sinais de abrandamento económico da China, esquecendo que a estratégia chinesa para as infra-estruturas trará benefícios para toda a economia mundial.

Em 2015, manchetes em todo o mundo reflectiram as crescentes preocupações sobre o abrandamento da economia chinesa e sobre a capacidade do país manter o seu ímpeto reformista e concluir a transição para um novo modelo de crescimento, baseado num maior consumo interno e na expansão dos serviços. No entanto, na própria China, a confiança na trajectória de longo prazo da economia mantém-se inalterada. De facto, apesar de os líderes chineses estarem, sem dúvida, conscientes do abrandamento do crescimento, continuam focados em garantir a realização da iniciativa "um cinto, uma rota" [proposta pela China, esta é uma estratégia de cooperação comercial entre países] do Presidente, Xi Jinping. E assim continuará em 2016.

 

Menos de quatro décadas depois de Deng Xiaoping ter iniciado a estratégia de "reforma e abertura", a China alcançou o estatuto de país de rendimento médio-alto. Agora, é o maior país comerciante do mundo e a segunda maior economia (a maior em termos de paridade de poder de compra). Contudo, como sabem os líderes chineses, muito mais precisa de ser feito para assegurar o que Xi apelidou de "o grande rejuvenescimento da nação chinesa." Para se integrar nas economias de maior riqueza do mundo, a China deve utilizar os mercados e os recursos, tanto no país como no exterior, de forma mais eficiente. E deve assumir mais responsabilidades – e evocar maior influência - no palco global.

 

A actual ordem internacional favorece, inegavelmente, os interesses dos EUA e dos seus aliados. Isso fazia sentido após a Segunda Guerra Mundial, quando a ordem foi estabelecida. Mas o equilíbrio do poder global mudou. Se é esperado que a China seja um "accionista responsável" nos assuntos mundiais - e é -, então precisa de ter um papel mais proeminente nas decisões internacionais.

 

Traduzir em actos o consenso internacional sobre este assunto tem-se revelado difícil. Na reunião do G-20, de 2009, o ex-presidente chinês, Hu Jintao, chegou a acordo com o Presidente norte-americano, Barack Obama, para aumentar o poder de voto da China no Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas o Congresso dos EUA rejeitou a decisão no ano seguinte, pelo que nunca foi implementado.

 

Na verdade, apesar das declarações sobre as responsabilidades internacionais da China, há muito que os EUA parecem estar a trabalhar especificamente para restringir a influência da China, mesmo dentro da sua própria região.

 

Esse foi o principal motivo por detrás do eixo estratégico de Obama em relação à Ásia. Da mesma forma, o acordo de comércio Parceria Trans-Pacífico - uma iniciativa liderada pelos EUA, que inclui uma dúzia de países do Pacífico, mas não a China - parece destinado a sustentar a primazia estratégica do país e a salvaguardar os seus interesses geopolíticos e económicos na região Ásia-Pacífico.

 

Em suma, cabe à China garantir a influência que merece e da qual precisa. É aí que entra a iniciativa de Xi: "um cinto, uma rota".

 

A ideia é relativamente simples. Inspirada na antiga rede da Rota da Seda para comércio e comunicações, o "Cinto Económico da Rota da Seda " de Xi e a "Rota da Seda Marítima do Século XXI" vão ligar a China ao resto da Ásia, a África, e, por fim, à Europa. Ao construir infra-estruturas muito necessárias nos percursos da Rota da Seda - desde estradas e ligações ferroviárias, a portos e condutas para recursos - a China espera construir "uma comunidade de interesses, destinos e responsabilidades comuns".

 

Nenhum país é mais adequado do que a China para liderar o percurso nas infra-estruturas. Uma vez que o seu próprio desenvolvimento tem sido impulsionado, em parte, por investimentos massivos em projectos de infra-estruturas no mercado interno, a China tem muita experiência recente no campo, além da grande indústria de materiais de construção. Além disso, a sua enorme quantidade de reservas estrangeiras - que ascendem a cerca de 3,5 biliões de dólares e deverão continuar a crescer - fornece os meios necessários para financiar os projectos.

 

A China já aplicou parte das suas reservas para a capitalização do recentemente criado Banco Asiático de Investimento em Infra-estruturas (AIIB, na sigla anglo-saxónica) - uma iniciativa organizada pela China para apoiar as suas ambições na Rota da Seda. Com a participação de 57 países dos cinco continentes - incluindo alguns dos aliados mais próximos dos EUA, como Reino Unido, França e Alemanha, apesar dos seus protestos - a AIIB é a primeira iniciativa projectada especificamente para responder às necessidades de infra-estruturas nos países em desenvolvimento e, especialmente, na região Ásia-Pacífico.

 

O retorno desses investimentos será enorme. A experiência desde a Segunda Guerra Mundial releva que os países em desenvolvimento, capazes de aproveitar a oportunidade estratégica da mobilidade internacional das indústrias de trabalho intensivo, podem alcançar entre 20 a 30 anos de rápido crescimento económico. Isso irá alimentar o surgimento de novos mercados cobiçados por mais países desenvolvidos - incluindo a China -, ao mesmo tempo que é criado espaço na China para as indústrias de maior valor agregado alcançarem a liderança.

 

Com o aumento dos salários a corroer a vantagem comparativa da China nas indústrias transformadoras de trabalho intensivo, os países de baixos rendimentos - digamos, os que estão ligados pela Rota da Seda, sendo que a maioria dos quais tem um PIB per capita que equivale a menos de metade do registado na China - estão a tornar-se mais atractivos. Com a melhoria das infra-estruturas, estes países estarão melhor posicionados para absorver a migração das indústrias de trabalho intensivo da China.

 

E há muito para absorver. Na década de 1960, quando o Japão começou a transferir as suas indústrias de trabalho intensivo para o exterior, a sua indústria de transformação empregou 9,7 milhões de pessoas. Na década de 1980, quando as quatro economias conhecidas como "Tigres Asiáticos" (Hong Kong, Singapura, Coreia do Sul e Taiwan) foram submetidas ao mesmo processo, as suas indústrias de produção totalizavam cerca de 5,3 milhões de empregados. A indústria da manufacturação da China, por outro lado, emprega 125 milhões de trabalhadores, sendo que 85 milhões correspondem a empregos de baixa qualificação. Isso é suficiente para permitir que praticamente todas as economias em desenvolvimento, ao longo das novas Rotas da Seda, alcancem simultaneamente a industrialização e a modernização.

 

Enquanto o mundo se aborrece com o abrandamento do crescimento da China e com as correcções em baixa para os preços das acções e da taxa de câmbio, o país a avançar com uma iniciativa que trará benefícios incalculáveis para toda a economia mundial. Além de criar oportunidades sem paralelo para outros países em desenvolvimento, a estratégia "one belt, one road" permitirá que a China faça melhor uso dos mercados e recursos, tanto nacionais como internacionais, reforçando, assim, a sua capacidade de continuar a ser um motor do crescimento económico global.

 

Justin Yifu Lin, antigo economist-chefe e vice-presidente sénior do Banco Mundial, é professor e reitor honorário na National School of Development, Peking University, e director fundador do China Center for Economic Research. É o autor, mais recentemente, de Against the Consensus: Reflections on the Great Recession.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
Tradução: André Tanque Jesus

Ver comentários
Saber mais China Deng Xiaoping EUA Segunda Guerra Mundial G-20 Hu Jintao Barack Obama Fundo Monetário Internacional FMI Ásia África Banco Asiático de Investimento Reino Unido França Justin Yifu Lin Project Syndicate
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio