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29 de Janeiro de 2008 às 13:59

A raiz do mal

Salvo melhor opinião, o acontecimento de 2007 no universo empresarial português foi a luta pelo controle do Millennium BCP, cujo desfecho (por enquanto?) passou o ano mesmo à tangente. A arena onde esta luta, que está longe do seu fim, tem decorrido é rev

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Numa economia de mercado seria de esperar que eventuais disputas pelo controle de empresas cotadas ocorressem no mercado, através dos mecanismos legalmente previstos, as ofertas públicas de aquisição. O Millennium foi, aliás, o maior utilizador deste mecanismo, tendo lançado ofertas públicas de aquisição bem sucedidas (na fase BCP, sobre o Banco Português do Atlântico e o Banco Pinto & Sotto Mayor) e mal sucedidas (na fase Millennium, sobre o Banco Português de Investimento). Ao mesmo tempo que se revelava a mais profícua utilizadora do mecanismo, a Administração do BCP mostrava que sabia, também, jogar à defesa, e blindou os estatutos do Banco como nenhuma outra. Esta postura custou ao BCP o seu maior accionista à época, Américo Amorim, mas a substituição por accionistas mais tolerantes com estatutos blindados que, imagina-se, os terão visto como o custo de entrar pela porta grande num mercado de acesso difícil, no caso dos estrangeiros, ou de aceder ao capital de um banco com grandes capacidades de concessão de crédito, no caso dos portugueses, ocorreu sem percalços. O BCP ficou assim com uma estrutura accionista que não é, nem a de uma sociedade com capital muito disperso (pois há vários accionistas com posições entre 2% e 10% do capital), nem a de uma sociedade com um núcleo claro de controle (pois esse foi o papel que a Administração foi reservando para si). Com a passagem para o banco de trás do Presidente histórico do Conselho de Administração, este ardiloso sistema começou a funcionar menos bem, revelando que o cantor era melhor do que a canção. Posições divergentes entre administradores levaram rapidamente ao cerrar de fileiras de grupos de accionistas, muito heterogéneos entre si, em torno das facções reveladas no Conselho de Administração, e à divulgação, como arma de arremesso, de operações antes mantidas em segredo, e impositivas no que à atenção dos reguladores diz respeito. O falhanço da oferta sobre o BPI, o primeiro no histórico até aí impecável dos ataques predadores do Millennium, não ajudou de todo. O processo foi fértil em trocas de mimos, tendo-se ouvido o Sr. Berardo, o maior accionista individual, dizer do Eng. Jardim Gonçalves aquilo que nem o mais inflamado benfiquista diz do Sr. Pinto da Costa. No final do ano emergiu, em consonância com o espírito natalício, uma solução de consenso entre accionistas até aí desavindos, gerada sob a influência do Governador do Banco de Portugal: uma Administração composta por três administradores da Caixa Geral de Depósitos, entre os quais o respectivo Presidente, e quatro directores dos quadros do Millennium. A total ausência de qualquer membro da anterior administração terá sido aconselhada pelo Banco Central, e foi extensiva aos vinte e seis quadros que integraram o Conselho do Millennium desde 1999, penúltimo ano do século passado. Esta foi uma solução espantosa: pacificou de forma surpreendente accionistas até aí a pisar a fronteira do insulto mútuo, e despoletou críticas consensuais entre os partidos da oposição e os comentadores económicos de todas as cores. Mais nobremente, gerou uma lista alternativa (mas derrotada?) para a Administração do Millennium, encabeçada por um ex-administrador que mostrou claramente, juntando actos às palavras, não ser farinha do mesmo saco. O que origina que uma solução que pacifica o quadro accionista seja consensualmente criticada por todos os que nela não desempenham parte activa? As razões apontadas foram essencialmente duas: o papel do Banco Central, que, ao sugerir aos accionistas que não apoiassem listas que integrassem vinte e seis ex-administradores do Millennium (em vez de agir sobre o número, presumivelmente bem menor, de administradores que se possam ter conduzido de forma inidónea) deu um valente empurrão à sugestão, até aí geradora de pouco entusiasmo, do Sr. Berardo de eleger para a presidência do Millennium o presidente da Caixa Geral de Depósitos; e o triste papel do banco público, de onde o presidente e dois administradores saltaram com rapidez estonteante assim que os convidaram para o Millennium, sugerindo que valores mais altos do que o serviço da causa pública se haviam levantado. Tudo num enquadramento em que quer o Governo do Banco de Portugal quer a Administração da Caixa Geral de Depósitos são nomeados pelo Governo da República. Para o que de mau se passou eventualmente no Millennium, não há possivelmente solução a priori, embora, como os factos evidenciam claramente, seja inviável conciliar interesses incompatíveis indefinidamente. Já para o que de mau teve a vencedora solução, há certamente remédio, e simples: abandonar a nomeação do Governo do Banco de Portugal pelo Governo da República, e passar essa atribuição para o Presidente da República, e privatizar a Caixa Geral de Depósitos, passando a responsabilidade da eleição da sua administração para os accionistas. Ou seja, atacar o mal pela raiz.
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