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A Questão das Reprovações por Faltas, ou o Tenebroso Regresso do “Eduquês”

O novo Estatuto do Aluno nos ensinos básico e secundário é, em meu entender, e no que concerne à questão das reprovações por faltas, uma verdadeira tragédia para um país como Portugal, que tem uma necessidade extrema de recursos humanos mais qualificados,

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Recorde-se que a qualificação dos recursos humanos é o mais importante factor para o crescimento económico, o desenvolvimento sustentado, enfim, o progresso de um país: como a vasta literatura científica existente na matéria prova, nenhuma nação do mundo poderá ambicionar a ser desenvolvida e a proporcionar um bom nível de vida à sua população se esta não for qualificada. Ora, tenho para mim que o Estatuto do Aluno que, pelos vistos, em breve entrará em vigor, é um claro convite à falta – e, como tal, vai no caminho oposto ao que devia trilhar: o caminho da exigência, do rigor, da justiça e? da frequência das aulas. E não me estou a referir às alterações produzidas pelo Grupo Parlamentar do PS ao diploma original do Governo – não, apesar de elas agudizarem o problema (adiante explico porquê), o “pecado original” já tinha sido cometido.

Na verdade, tudo começa pela delirante ideia da realização de uma “prova especial de equivalência” à frequência para os estudantes que excedam o limite de faltas injustificadas – e foi o Governo que, em Maio último, consagrou esta ideia no já famoso artigo 22º do Estatuto do Aluno.

Ora, como o mais elementar bom senso permite constatar, esta prova é injusta para todos aqueles que frequentaram as aulas – e mesmo para com aqueles que têm faltas que são justificáveis. Mas acima de tudo, e muito mais grave, constitui um incentivo a todos os alunos para que deixem de ir às aulas! Então se todos os alunos que fizerem “gazeta” sem mais têm direito a realizar, excedido o número de faltas permitido, uma prova especial de equivalência, por que motivo terão que frequentar as aulas? O incentivo ao “gazetismo” é evidente – não só para os que já faltam, mas para todos os outros alunos, que se sentirão – e bem – injustiçados. No fim há sempre uma tábua de salvação – e todo este modelo é um convite à falta.

Depois, a alteração do Grupo Parlamentar do PS (24 de Outubro) agudiza ainda mais o problema, pois coloca no mesmo plano os alunos que faltam por razões justificadas e os que apenas preferem divertir-se quando deviam estar na escola a aprender: é isso que sucede quando não se distingue entre faltas justificadas e injustificadas, existindo apenas um “excesso de faltas” que leva a provas de recuperação. E, em caso de nota negativa, não há reprovação automática – a decisão é da escola, “atendendo à circunstância específica” do aluno, que pode repetir esta prova um sem limite de vezes. Moral da história com esta alteração: reprovações por faltas, nem vê-las!...

Finalmente, em 31 de Outubro último, a segunda alteração proposta pela Maioria Socialista continua a não distinguir entre faltas justificadas e injustificadas: ultrapassando o limite de faltas, aplicam-se “medidas correctivas” e uma prova de recuperação. No entanto, nesta segunda alteração, há um recuo evidente: agora, se tiver negativa nesta prova, é avaliada “a natureza e justificação das faltas dadas” e o aluno pode ter um plano de trabalho acrescido e realizar uma nova prova – a seguir à qual poderá, então, reprovar (ou não).

Assim, além do erro crasso que do meu ponto de vista constitui a criação da “prova especial de equivalência”, com a não distinção entre faltas justificadas e injustificadas, no limite poder-se-á até ter, lado a lado – veja-se o ridículo da situação!... – os alunos que, como deve ser, vão às aulas e realizam as suas provas de avaliação; e os faltosos, que apenas vão à escola para fazerem as tais provas especiais de equivalência – e que só em casos limite poderão reprovar!... Não é incrível, caro leitor?!...

Em tudo isto, a mensagem que se passa aos alunos é de que podem faltar às aulas quando lhes apetecer – porque existe um sistema que protege os faltosos. Assim como o aluno que, apesar de errar as contas, pode passar numa prova de Matemática. Trata-se, como é óbvio, de uma mensagem errada (mesmo calamitosa) porque o rigor é, uma vez mais, reduzido – quando devia era ser aumentado. E, portanto, os alunos que forem formados num ambiente que é cada vez mais laxista e facilitista (logo, desadequado), estarão cada vez menos preparados para enfrentar com sucesso as necessidades do mundo profissional. Porque nem sequer têm hábitos de rigor, de avaliação? ou mesmo de assiduidade, pelo caminho que se quer seguir. E, como todos sabe-mos, no mundo real, a avaliação profissional ocorre todos os dias? e no local de trabalho. Portanto?

Não vejo como é que propostas e alterações deste tipo poderão contribuir para melhorar o que quer que seja do ensino em Portugal, muito pelo contrário. É o tenebroso regresso do “eduquês”, toda uma filosofia que se baseia no ensino sem custos, sem rigor, sem exigência e sem avaliação para os alunos – que era a última coisa que o nosso sistema de ensino agora precisava. Mas, infelizmente, parece que a ministra da Educação se rendeu à cartilha que nas últimas décadas tem vigorado maioritariamente no ensino no nosso país. Com os resultados que se conhecem: aparecemos sistematicamente nos últimos lugares dos diferentes rankings internacionais de qualificação dos recursos humanos, seja ao nível do ensino básico, secundário ou superior. E com opções deste calibre, este é um status quo que por certo (e infelizmente?) não se irá alterar. Pobre Portugal, para onde estás a ser levado?!...

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