Opinião
A propósito da remuneração variável do gestor público...
A remuneração variável como forma de premiar o desempenho tem sido considerada uma importante prática para o crescimento económico. Em Portugal, as empresas privadas adoptam-na para os gestores e funcionários. Contudo, no tocante aos gestores, será necess
Na maioria dos casos ela é função do resultado económico da empresa. Para os accionistas, sobretudo para os pequenos accionistas, e nas empresas em que a sua opinião não tem peso de voto nas assembleias gerais, o controlo da remuneração variável dos gestores não deixa de ser um problema. Muitas vezes, essa remuneração variável não é mais que uma apropriação do valor criado, que deveria ser destinado aos accionistas, e é desviado para os gestores (por vezes accionistas de referência).
Na área pública, a possibilidade de atribuição de remuneração variável aos gestores está agora consignada no estatuto que recentemente entrou em vigor. De acordo com a lei, " A componente variável corresponde a um prémio... dependendo a sua atribuição..... da efectiva concretização de objectivos previamente determinados" . Muito bem, esperemos melhor desfecho que, idêntico princípio, consignado em 1999 e não implementado.
A efectiva concretização dos objectivos será observada com base em indicadores que revelarão o seu cumprimento em diferentes domínios e em articulação com as orientações estratégicas não esquecendo, o que parece muito interessante, as particularidades "resultantes da prestação de serviços de interesse geral".
O modelo de remuneração dos gestores públicos procura assim aproximar-se das práticas do sector privado atraindo, ou pelo menos não repelindo, competências.
A natural comparação entre gestão pública e privada leva-nos contudo a observar algumas diferenças nesta matéria da responsabilidade do desempenho e sua avaliação. Vejamos apenas duas dessas diferenças: a) a informação de gestão como espelho das decisões da respectiva gestão; b) a relação não subordinada da gestão.
O gestor privado é avaliado, desde logo, no mercado, através do valor da empresa consubstanciado no valor das suas acções e, nas assembleias gerais pelos seus accionistas. Quer o mercado quer os accionistas avaliam a gestão com base na informação sujeita a um vasto conjunto de obrigações que, se cumpridas, permitem avaliar adequadamente a gestão e o valor da empresa.
Também o gestor da empresa pública é avaliado pelos seus indicadores económicos (construídos sob as mesmas regras da empresa privada) e pela qualidade dos serviços que presta. Contudo, a empresa pública tem uma politica de preços não fixada no mercado e, nessas circunstâncias, a leitura generalizada de comparação com a empresa de mercado, não pode ser feita. Ocorrendo mesmo a contradição de ser avaliada negativamente pelas perdas e simultaneamente serem reclamados preços mais baixos pelos serviços públicos que presta. Com frequência lemos títulos sobre os prejuízos de algumas empresas públicas num tom jocoso e sancionatório de práticas de gestão. Ora, podendo haver más práticas de gestão, o resultado/prejuízo é consequência, no essencial, de decisões exteriores à gestão dessas empresas. Diga-se, para que não restem dúvidas, que não se criticam essas decisões, que se consideram em geral adequadas e visam responder a necessidades dos cidadãos que, de outro modo, não acederiam a determinados bens ou serviços. Somente se mencionam para realçar que a gestão só deve ser avaliada com base nas variáveis que controla. Pretende-se também evidenciar diferenças na leitura de indicadores de desempenho que, construídos sobre informação contabilística, igual para público e privado, evidenciam situações bem distintas. Para ultrapassar esta limitação consideramos da maior importância a definição, quantificação, do valor não recuperado pela prática de preços administrativos. Após essa correcção, os indicadores de gestão da empresa pública reflectirão a eficiência ou ineficiência da sua gestão.
Outra diferença fundamental prende-se com a relação de não subordinação. A gestão, por definição, é independente, mesmo na lógica laboral, não é uma relação subordinada. Ora aqui, as diferenças gestor público/gestor privado são muito significativas. Terá o gestor público as necessárias condições de autonomia na prática da gestão para poder responder pelos objectivos que lhe são fixados? Se o tiver, a contratualização da gestão fará todo o sentido. De contrário será mais uma tentativa falhada e a remuneração variável uma miragem e o desempenho continuará a ser explicado pelas condicionantes, pelo sistema, diluindo-se a responsabilidade da gestão.