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21 de Agosto de 2012 às 23:30

A platina na hora da morte

A brutalidade é uma constante dos conflitos laborais e imagem de marca da África do Sul, um dos dez países mais violentos do mundo

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Da queda nas vendas de veículos a diesel na Europa à desorientação das chefias policiais e do ANC, passando por lutas entre sindicatos, tudo se conjugou para que mais um massacre colocasse a África do Sul em transe.

Cerca de 3 mil operadores de perfuradoras entraram em greve sem pré-aviso a 10 de Agosto em Marikana, a terceira maior mina de platina do país, na província do Noroeste, exigindo aumentos salariais.

Acampando numa colina fora das instalações da empresa, os grevistas envolveram-se em confrontos com apoiantes do maior sindicato de Marikana filiado na "União Nacional de Mineiros" (NUM) e agentes da polícia que provocaram dez mortos.

As autoridades provinciais, o governo central, a direcção da empresa – a "Lonmin" -- líderes da NUM e da recém-criada "Associação de Mineiros e Trabalhadores da Construção" (AMCU), que contesta o monopólio negocial do sindicato ligado à COSATU -- a confederação nacional aliada do ANC -- deixaram arrastar a paralisação e não intervieram para pôr termo à violência.

No dia 16 a polícia, que perdera já dois agentes, ao ser atacada por um grupo de grevistas abriu fogo abatendo 34 mineiros e causando 78 feridos.

Os amaldiçoados das minas

A brutalidade é uma constante dos conflitos laborais e imagem de marca dum país que se encontra entre os dez mais violentos do mundo com uma taxa de homicídios de 31,8 por 100 mil habitantes (dados de 2010 da ONU que indicavam para Portugal 1,2 por 100 mil).

Em Marikana, a AMCU, criada por dissidentes da NUM, representa menos de 30% dos 28 mil trabalhadores e carece de direitos negociais nos termos do contrato colectivo de trabalho que vigorará até 2013.

Este sindicato, contudo, apoiou a reivindicação dos operadores de perfuradoras – a maioria de etnia BaSotho (muitos oriundos do Lesotho) e Xhosa – que têm um dos mais duros, perigosos e mal pagos trabalhos da indústria exigindo que os actuais salários de 4 mil e 5 mil rands (378 € e 473 €) fossem aumentados para 12 500 rands (1.182 €).

A greve de Marikana, onde a NUM tem vindo a perder influência, seguiu-se a um confronto similar este ano em Rustenburg numa mina da "Impala Platinum" que se arrastou por seis semanas e provocou seis mortos, mas terminou com aumentos até valores na ordem dos 9 500 rands (926 €) para os operadores de perfuradoras.

A COSATU, que prepara o seu congresso no próximo mês, e o ANC, que em Dezembro elegerá os seus dirigentes num conclave onde o presidente Jacob Zuma enfrenta forte contestação, falharam na mediação destes conflitos, agravando a percepção de que os representantes do poder político desprezam os dramas de mais de 30% dos sul-africanos que subsistem com 2 dólares/dia.

Julius Malema o ex-líder da Juventude do ANC – em conflito com o seu antigo protector Zuma foi expulso da organização em Abril – surgiu de imediato como um dos principais críticos do poder instituído, acusando líderes da COSATU e do partido, como o ex-sindicalista e empresário omnipresente do regime Cyril Ramaphosa, de conivência com o capitalismo explorador.

As disputas pela liderança do ANC e o manto de Zuma, que ainda se poderá recandidatar na eleição pelo Parlamento em 2014, têm deixado por definir questões fundamentais, como a eventual nacionalização do sector mineiro, e propiciado abusos, violências e actos de corrupção que desde 2008 já levaram à demissão de dois responsáveis nacionais da polícia.

A actual "Comissária Nacional" Mangwashi Phiyega, em funções desde Junho, é uma empresária ligada ao ANC que, após se ter revelado incapaz de pôr cobro à violência em Marikana, tem defendido a acção das forças policiais em risco de vida.

Uma crise insustentável

As três empresas -- "Anglo American Platinum", "Impala Platinum" e "Lonmin" – que exploram o sector e asseguram cerca de 75% da produção mundial enfrentam tempos difíceis.

Os preços da platina caíram 20% desde Fevereiro devido, sobretudo, à crise económica na União Europeia.

A platina, além do tradicional uso na joalharia, é requerida para a indústria automóvel (em catalisadores de motores a diesel, pilhas de combustível para veículos eléctricos e híbridos) e de computadores.

O aumento dos custos laborais, apesar dos baixos salários pagos na África do Sul, o irregular e caro fornecimento de electricidade, contam-se entre factores que têm vindo a baixar a rentabilidade da indústria.

Nenhum governo sul-africano poderá, contudo, aceitar despedimentos em massa nas minas de platina, nem em outros ramos da mineração que representa 60% das exportações, numa altura em que as previsões de crescimento económico em 2012 se quedam pelos 2,7%, taxa notoriamente insuficiente para reduzir um desemprego que, oficialmente, se cifra em 25%.

Os mineiros e polícias que mataram e morreram em Marikana, tal como os poderes do capital e da política, entram para o rol de vítimas, celerados e gente estupefacta e desorientada pela desigualdade e a brutalidade que nunca cessou de atormentar a África do Sul.

Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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