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A morte do BCP

Jardim Gonçalves cria outro “case study” a ser seguido nas maiores escolas de gestão. Não há meio termo: o triunfo da audácia de um líder; ou um dos maiores desastres de sempre.

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Antes de tudo, porque é o mais importante: o grupo financeiro, tal qual o engenheiro Jardim Gonçalves um dia sonhou, depois criou e finalmente ergueu, é desde ontem formalmente outro.

É o fim de um ciclo. Trata-se de uma decisão histórica. É, sem dúvida, algo que lança o maior grupo privado da banca nacional para uma fase absolutamente nova da sua vida. É uma decisão corajosa. Não é vulgar, mesmo à escala internacional, ver, num só golpe, desaparecerem as referências de uma história de sucesso. Ou, melhor, de várias histórias de sucesso.

O Atlântico, uma designação que ainda nos remetia para o BPA, provavelmente a marca mais forte da banca até à década passada. O Sotto Mayor, a instituição desde sempre associada a uma das famílias, a família Champalimaud, com maiores tradições na finança nacional. Por fim, a Nova Rede e o BCP, a origem do êxito empresarial mais impressionante, desde que Portugal tem democracia e capitalismo ao mesmo tempo.

Bem, não é propriamente coisa inédita extinguir marcas e unificá-las debaixo de um só nome. Na própria banca, o BPI também “matou” os clássicos Banco Fonsecas & Burnay e Banco Borges & Irmão. O que torna a metamorfose BCP insólita, na verdade, é o facto de ela ter sido promovida pelos mesmos arquitectos do edifício anterior: Jardim Gonçalves e Filipe Pinhal.

É isto que é raro, esta capacidade de questionar a própria obra, ter a percepção que está na hora de provocar a ruptura, ter a coragem de assumir riscos -- e é isso que abona a favor do management do BCP: a capacidade de surpreender.

E é inquestionável que, ontem, ao fim destes anos todos, após difíceis anos de ziguezagues, depois de dar sinais de desgaste e, com isso, passando para fora a ideia de que jamais iria arrepiar caminho e assumir que errou, o engenheiro voltou a surpreender.

Para o bem e para o mal, acaba de criar mais um “case study” para ser acompanhado nas principais escolas de gestão mundiais. Porque dificilmente haverá um meio termo: ou será recordado como o triunfo da audácia dos líderes sobre a cobardia dos conservadores; ou, se correr mal, ficará para a história como um dos maiores estampanços de sempre.

Acabar com marcas de grande notoriedade e carregadas de história, repito, é obra! e revela uma tremenda coragem. Substitui-las por outra marca, que nenhum português conhece, ainda por cima em latim, é algo que quase pisa a linha que separa a coragem da extravagância. Pois se nos nomes está a alma, na rede comercial de um banco está o negócio. E é no coração do negócio que Jardim Gonçalves está a mudar de identidade.

Evidentemente que, para os seus concorrentes, esta ousadia do BCP (desculpem, do Millennium...) representa uma oportunidade. De repente, Espírito Santo passou a ser o único banco com um nome cheio de história. E os agressivos espanhóis do Totta vão tentar explorar o sentimento de orfandade de alguns clientes mais fiéis.

Muitos analistas financeiros vão estudar o assunto e fazer contas. Muitos analistas de imprensa vão ter opinião. Só uma coisa vai confirmar se Jardim Gonçalves estava certo: o tempo. E, já agora, um bocadinho de sorte. Até porque esta, diz o povo, protege sempre os audazes.

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