Opinião
A independência de um Estado artificial
Estive apenas há alguns meses na Sérvia, mais concretamente em Belgrado, onde a reacção do motorista do táxi que apanhei no aeroporto para me levar até ao meu hotel no centro da cidade foi absolutamente elucidativa. Possuidor de um bom domínio do inglês,
A partir daí o diálogo degenerou em monólogo pontuado por uma violência verbal, que presumia outras violências, contra uma minoria albanesa que queria usurpar o coração da Sérvia.
Esta reacção do dito homem da rua, cidadão comum, fez-me, desde então, dar mais atenção à problemática da independência que, entretanto, se ia desenrolando paulatinamente nos factos políticos que antecediam aquela declaração.
Confesso que, com todo o respeito que sérvios, albaneses e kosovares me merecem, há duas coisas, pelo menos, que chocam o meu bom senso. A primeira diz respeito ao excesso de interferência da comunidade internacional, designadamente dos Estados Unidos que pretendem continuar a manter aí os seus feudos, com a ajuda das Nações Unidas, que apoia uma declaração unilateral de independência, sem qualquer base no direito internacional, violando-o, assim, grosseiramente. Outra questão é a de saber se apenas 120 mil cidadãos podem construir um Estado independente, designadamente do ponto de vista económico e financeiro, porque é fácil, seja-se país ou pessoa, ser-se independente com o dinheiro dos outros, a menos que esses outros tenham interesses vitais, que, normalmente, não são os mais nobres. Caso para dizer que nasceu um Estado independente, sob supervisão internacional, na linguagem dos diplomatas, o que pode significar apenas o surgimento de um protectorado do Ocidente e dos seus interesses mais inconfessáveis.
Repugna-me, com efeito, e estou longe de ter simpatia pelo lado dos russos que negam o seu reconhecimento, mas não consigo deixar de pensar que os sérvios foram espoliados de uma parte crucial do seu território que poderá ter no futuro, consequências dramáticas, sobretudo para o continente europeu de que este território é parte integrante. E quanto à dita limpeza étnica, parece-me que, neste momento, ela está mais do lado dos sérvios do Kosovo, com consequências como as que já começaram a aparecer, como os conflitos no Norte do território em que as forças da ONU que asseguram a estabilidade do território, relatam a destruição dos postos fronteiriços por centenas de pessoas.
Outra destruição está do lado da unidade da União Europeia que não consegue que os Vinte e Sete se ponham de acordo quanto ao reconhecimento de um novo Estado. Os grandes países comunitários, como a Alemanha, França, Reino Unido e Itália, que se apressaram a ditar o mote do apoio à independência, não valem por si só em termos de uma deliberação una e indivisível. É que há, pelo menos, dois países que percebem que esta declaração unilateral de uma mera província sérvia constitui uma violação da intangibilidade das fronteiras e a subversão do direito internacional. O risco de efeito de dominó na moda das secessões existe, desde logo do lado da vizinha Espanha, com os problemas autonómicos do País Basco e da Catalunha e, com mais premência ainda, do lado do Chipre, que declarou, radicalmente, que nunca reconhecerá o novo país, porque tem sentido na pele ao longo de anos a divisão da ilha, que nem sequer a sua entrada para a União conseguiu resolver.
Estes são, fundamentalmente, os dois estados sensatos da União Europeia que percebem que os seus actos internacionais podem ter um efeito catalisador nos seus próprios países e que é inevitável trabalhar a questão com base na Resolução 1244 das Nações Unidas, de 10 de Junho de 1999, que reúne o compromisso de todos os estados membros para com a soberania e integridade territorial da República Federal da Jugoslávia, da qual a Sérvia é a legal sucessora.