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07 de Abril de 2005 às 13:59

A imagem das cidades

Muitas das nossas cidades e em especial as periferias de Lisboa e Porto, continuam a não ter vida própria para além dos horários de trabalho, excepção feita aos shoppings e alguns lugares de diversão.

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Helsinborg, no coração da Dinamarca – um ordenamento do território aparentemente perfeito, amplas zonas verdes, áreas rurais bem tratadas, o centro urbano ponteado por uma área histórica conservada e atraente, os novos edifícios com uma arquitectura integrada no meio envolvente, transportes públicos de grande qualidade, cuidados efectivos na protecção do ambiente, empresas e tecnologias de ponta, marcas e produtos de eleição no comércio internacional, vida cultural intensa e diversificada, com participação pública.

Mas o vídeo que nos traz a ambiência de Helsinborg mostra-nos mais - a importância conferida à Educação e à Saúde, as políticas sociais e, noutro âmbito, rituais de devoção à monarquia e, sobretudo, pessoas que parecem viver bem, sem especial stress, felizes, com alegria natural pela vida.

Com uma duração aproximada de 15 minutos, após cada projecção, começa por se suscitar junto de jovens universitários, uma primeira apreciação genérica: que sim, que é interessante mas tudo parece demasiado perfeito, «só mostram as coisas boas, como se não houvesse miséria, desinseridos da sociedade, zonas urbanas e industriais degradadas?»

Sendo uma produção videográfica de 1994, ainda hoje dá azo a reacções consensuais, em sucessivas vagas de alunos, o que permite gizar algumas reflexões interessantes: a ideia de que «um mundo assim perfeito» é irreal, causa algum incómodo perante as nossas vidas mais ou menos sofridas de todos os dias, só pode tratar-se de manipulação da realidade perante a qual, aliás se condescende porque a sua natureza promocional assim o permite, e mais – só pode tratar-se de um suporte de promoção turística, porque é aí que se ajustam, codificam e descodificam, imagens de teor paradisíaco?

Portugal não é certamente excepção às projecções que indiciam que a esmagadora maioria da população se concentra nas cidades, em especial nas Áreas Metropolitanas.

Daí as tentativas que têm sido feitas de valorizar as cidades médias, o seu desenvolvimento, projectadas numa qualidade de vida em alguns aspectos assinalável, mas que no entanto parecem esbarrar em algo de relativamente indefinido e contraditório.

Falta-lhes alguma vibração, o progresso nem sempre é palpável, o crescimento urbano suscita interrogações, subsistem mentes e culturas que se arreigam no passado, mas é mesmo assim que são procuradas pelos que vêm das grandes cidades em busca de reequilíbrio funcional e tranquilidade.

Em torno dos principais pólos de atracção, crescem as periferias em busca de uma individualidade que esbarra nos contínuos urbanos a que pertencem, o desejo de se afirmarem como cidades quando de facto já o são, não como um todo mas sim como parte da grande cidade, origem e solução para dinâmicas que não controlam, que apenas podem influenciar.

Com o anseio de ganharem os desafios da modernidade e da globalização – tornar os territórios tecnologicamente evoluídos, competitivos, atraentes para os mercados que neles operam, dilui-se a noção e a conservação dos espaços públicos, prolifera o estacionamento caótico e massivo, em particular junto dos eixos principais de transportes, numa corrida sem fim, paralela a um crescimento urbano aparentemente sem limites e imune às crises económicas.

Seria interessante saber-se em que medida é que a diminuição da população portuguesa afecta às actividades agrícolas, funcionou como transvaze para os anos dourados da construção civil, tal como, quando se afirma que os municípios estão excessivamente dependentes das receitas provenientes desta actividade económica, se é possível calcular-se toda a despesa adicional proveniente deste crescimento urbano.

Decisões suficientemente ponderadas ou processos da fuga para a frente?

Acompanhando o crescimento vêm os equipamentos sociais – sobre eles há razões para pensar que muitas obras públicas têm características desajustadas e sumptuárias, mas a qualidade da construção continua a ser deficiente tal como o respectivo controlo e depois de entregues aos usufrutuários, ninguém assume a responsabilidade pela sua manutenção, as intervenções são processadas no limite, com espiral de custos e os habituais lamentos das poucas disponibilidades financeiras.

Se ainda não foram substituídas por outras, lá se encontram as placas de inauguração com os nomes dos titulares dos cargos públicos envolvidos – numa cidade como Edimburgo, os bancos de madeira nas ruas e jardins, ostentam em pequenas placas os nomes dos cidadãos benfeitores que doaram aqueles equipamentos à comunidade? modos diversos de funcionamento urbano, que dão que pensar.

Muitas das nossas cidades e em especial as periferias de Lisboa e Porto, continuam a não ter vida própria para além dos horários de trabalho, excepção feita aos shoppings e alguns lugares de diversão.

Nada disto é novo, mas as sucessivas tentativas dos respectivos municípios para alterarem a situação, não produzem os resultados esperados, dá a sensação que quase sempre falta um golpe de asa para se chegar lá, o contexto das políticas, mais do que libertar parece ter um factor de inibição, inultrapassável na forma como se projectam e executam as iniciativas.

Nem todas as cidades podem ter um núcleo histórico forte e coerente como Cáceres ou um parque de Ciência (La Villette) como Paris, mas viver ou consumir (como se preferir) o passado e/ou o futuro, exigem conteúdos com rasgo para além das minudências do momento.

Voltamos ao velho problema – não se é cidadão pleno só por se viver ou trabalhar em cidades – o conceito de cidadão é indissociável do da cidadania mas esta pressupõe um comprometimento efectivo com a organização do espaço público.

As autarquias preocupam-se em fornecer serviços públicos, gerir o espaço urbano, animam-se com projectos para o futuro, mas as pessoas? as pessoas são eleitores é certo, convém tratá-las com pinças, não parecer demasiado agressivo? mas com frequência desusada não interiorizam nem cumprem as regras cívicas, o incumprimento existe na proporção directa do laxismo da autoridade.

Muito se tem reflectivo se este é um problema da fragilidade Educacional e de Cultura do país, seguro é ser um sintoma de incapacidade ou impotência na forma como se entende, exerce e cumpre o poder.

As pessoas mudam, toda a gente muda até de disposição, não se reage sempre da mesma forma perante as mesmas circunstâncias, mas é neste contexto complexo, para o bem e para o mal, que a psicologia colectiva influencia ao ritmo do quotidiano, a construção da imagem urbana.

E o urbanismo é a chave da imagem das cidades.

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