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A herança

Há 10.000 anos existiam no globo cerca de 5 milhões de humanos dispersos por enormes vastidões de natureza incólume e vida natural. Por altura do ano zero a humanidade conta com cerca de 150 milhões de pessoas, na sua maioria instalada na Ásia. Depois a c

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Há 10.000 anos existiam no globo cerca de 5 milhões de humanos dispersos por enormes vastidões de natureza incólume e vida natural. Por altura do ano zero a humanidade conta com cerca de 150 milhões de pessoas, na sua maioria instalada na Ásia. Depois a curva é lenta chegando-se aos 500 milhões à época dos descobrimentos.

O primeiro bilião atinge-se só no início do século XIX. Mas

é no século XX que a escalada realmente começa. 2 biliões

em 1930; 3 em1960; 4 em1975; 5 em1987; 6 em 1999 para chegar aos 6,4 biliões da actualidade. Apesar da miséria, das guerras, da doença e do egoísmo, pode dizer-se que a nossa espécie tem sido bem sucedida. Talvez até demais. Já que a crescente falta de espaço e recursos, a que se acresce um desequilíbrio económico global, atiram para as condições

mais deploráveis a maior parte destas existências.

Gigantescas massas humanas aglomeram-se em urbes precárias, extensos bairros de lata, campos de refugiados, vielas sem sentido nem destino. As cidades que por estes dias crescem a uma velocidade impressionante, conhecem novos e insuperáveis problemas.

Urbanismo, abastecimento, circulação, higiene, exclusão que eram matérias de teses universitárias, são hoje questões urgentes cuja realidade e dados estatísticos se vêem superados logo no instante em que se publicam.

Basta olhar para a pequena Lisboa, onde até hoje sucessivas administrações municipais não foram capazes de resolver questões tão banais como a circulação e arrumo dos automóveis, a limpeza das ruas, a degradação dos imóveis ou o apoio aos pobres e sem-abrigo.

Não se vê, de facto, luz ao fundo do túnel. Mas, para além desta visão humanista, a questão é ainda mais dramática quando nos colocamos numa perspectiva mais global e exterior a ela. Ou seja, no interesse da vida em geral. A tão bem sucedida espécie humana, pelo menos em quantidade, é para o planeta uma verdadeira praga devastadora e assassina.

Considerando que tudo o que existe deve ser posto ao seu serviço, o homem tem domesticado, manipulado e principalmente chacinado todas as restantes formas de vida, com uma sanha e avidez que com demasiada frequência não exclui a total e definitiva extinção de seres que são obras-primas insubstituíveis com milhões de anos de evolução e existência.

A União Mundial para a Natureza (IUCN) mantém um site (www.iucn.org) com uma listagem actualizada das formas

de vida já extintas, em vias de extinção ou em elevado risco.

Inclui grandes mamíferos e pequenos batráquios, plantas, aves e vida muito pequena, invisível aos nossos olhos, mas fundamental para a manutenção de muitos ecossistemas.

Os dados são impressionantes.

Neste momento encontram-se à beira de extinção cerca de 15 mil espécies. Na secção dos vertebrados com 5mil espécies ameaçadas 600 são pássaros, 1.200 mamíferos e 1.600 anfíbios. São números aterradores e que deviam fazer a humanidade, no seu conjunto, reflectir sobre a enorme responsabilidade e consequências deste extermínio.

Tudo o que são factores de desenvolvimento para o homem, aumento da população, crescimento económico, modernização das sociedades, diminuição da pobreza, tem como contrapartida um decréscimo brutal da diversidade biológica.

Como se o nosso bem-estar só fosse possível à custa da destruição da restante vida na Terra. Para além disso, os dois terços da população mundial que vivem na miséria e que aspiram, em pleno direito, a uma existência melhor, constituem perversamente a garantia de que as coisas só podem piorar. Quando uma parte dessa enorme massa de miseráveis atingir um nível de vida próximo daquele que temos aqui no Ocidente o planeta implodirá. Os recursos e a vida em geral sofrerão uma extinção em massa, provavelmente irreversível para a própria sustentabilidade do planeta.

E no entanto, exceptuando alguns cientistas e ambientalistas, não existe uma consciência generalizada do extremo risco que corremos. Em particular o discurso político e económico continua a assentar exclusivamente no crescimento e no lucro a todo o custo, menosprezando sempre para lá do limite as questões ambientais e ecológicas. Poderá então perguntar-se.

Uma vez que os políticos, os empresários e os economistas também têm filhos, será um deserto o que pretendem deixar-lhes em herança?

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