Opinião
A grande fome do Lago Toya
Fiquei também eu chocado com o facto da Cimeira do G8 no Lago Toya ter discutido, entre outros problemas mundiais, a subida dos preços dos bens alimentares e a escassez de comida nos países pobres, tendo sido feito um apelo à poupança e moderação no uso destes bens, seguido de um jantar de 24 pratos com o módico custo por cabeça de cerca de 300 euros.
Só um dos vinhos, um Chateau-Grillet 2005, custará 70 euros por garrafa.
Mas também acredito que isto está a ser exagerado pela imprensa internacional – bater sim, mas não demais. Por exemplo, o facto de um pratos ter sido bolbos de lírios de Inverno poderá ser uma homenagem e o relembrar dos sacrifícios por que passaram os Países Baixos quando da Fome de 1944, aquela que foi a última fome da Europa Ocidental, altura em que os holandeses foram obrigados a comer os bolbos das plantas por já não terem outra coisa para comer. Relembro aos meus queridos leitores o especial significado de tal acto: os bolbos sempre foram algo muito valorizado pelos holandeses, sobretudo os das tulipas – é reportado que no século XVII, século em que mais uma vez os bolbos viajaram pelo esófago dos holandeses quando da Grande Fome da Holanda, um holandês deu por um bolbo da variedade Vice-Roi 36 alqueires de trigo, 72 de arroz, quatro bois, 12 carneiros, oito porcos, duas pipas de vinho, dois barris de cerveja, duas toneladas de manteiga, mil libras de queijo, uma cama, roupa e uma taça de prata; outro terá dado uma carruagem e 12 cavalos e um terceiro doze acres de terra. Isto faz inveja a qualquer cimeirista.
E o menu da Cimeira incluir batata doce não é mais que uma invocação da Grande Fome da Irlanda de 1845, a maior em termos relativos, que se deu devido precisamente à subida dos preços dos produtos alimentares, que eram então levados da Irlanda para a Inglaterra onde o poder de compra era substancialmente maior; mais um paralelo com os dias de hoje. Em termos absolutos, a maior fome foi a chinesa, o que provou que há que olhar com cuidado para a frente quando se dá um grande salto. Daí o arroz na ementa, acredito que salteado.
Mesmo o facto da ementa ter caviar a rechear milho – "bom como o milho" – tem explicação: seria a invocação de uma das atrocidades de Estaline, o Holodomor ou Grande Fome da Ucrânia (então parte da União Soviética) do início dos anos 30. Pois é, isto até parece os momentos de grande pujança do internacionalismo operário, quando depois das intensas manhãs de trabalho e do longo almoço pejado de discussões políticas, os participantes se erguiam e entoavam em coro: "De pé, ó vítimas da fome…"
Até neste pequeno cantinho à beira-mar plantado o problema da fome mereceu tratamento destacado, como o prova a recente intervenção de D. Duarte de Bragança. O chefe da casa real portuguesa sugeriu um novo papel para o Estado no contexto da crise alimentar que hoje vivemos: dar cursos de formação às famílias que não sabem gerir a economia doméstica e que "não sabem planear uma dieta equilibrada", pois "pensam que todos os dias têm que pôr um bife à mesa." Não é esclarecido, mas podemos pressupor que D. Duarte se refere a um bife por pessoa e por refeição. Caso contrário, se se tratar de um bife por dia para uma família de uma dúzia e meia de pessoas até pode sair bem em conta, e a observação perderia todo o seu alcance.
Veja-se, aliás, a evolução que teve o pensamento real: Maria Antonieta, das casas reais francesa e austríaca, em pleno século XVIII sugeria aos parisienses que se queixavam da fome e da falta de pão que comessem brioches. D. Duarte vem agora contrariar esta recomendação anti-económica, pois os brioches são reconhecidamente mais caros que o pão. Mais, o nosso quase-Rei não se fica pela superficialidade da solução do momento, chama a atenção para a necessidade de agir ao nível do capital humano entre as classes desfavorecidas, ao propor que se dê formação sobre o regime alimentar àqueles que passam fome. Revela-se pois um seguidor de Confúncio, recomendando que não se dê peixe, se ensine a pescar, em vez de fazer como o G8, que começa por tirar o peixe e não ensina nada.
Resta-nos, pois, chamar a atenção à classe política mundial para o interesse em, nesta matéria da fome no Mundo, ouvir D. Duarte e reunir o G9, em vez do G8. Pode ser até que D. Duarte os consiga convencer das virtudes do equilíbrio e as ementas passem a ter Sopa de Cação, Amêijoas à Bulhão Pato, Bacalhau à Minhota ou Peixe-espada Grelhado, seguidos de Pudim de Abade de Priscos, Encharcada ou Fidalgo, tudo regado com Água do Luso. Isto certamente elevaria o debate, que mais baixo é impossível.
Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando lhe perguntámos que prato deveria ser servido nas cimeiras do G8, Frederico respondeu: "Aquilo em que se tornou a economia mundial: caldeirada."
Mas também acredito que isto está a ser exagerado pela imprensa internacional – bater sim, mas não demais. Por exemplo, o facto de um pratos ter sido bolbos de lírios de Inverno poderá ser uma homenagem e o relembrar dos sacrifícios por que passaram os Países Baixos quando da Fome de 1944, aquela que foi a última fome da Europa Ocidental, altura em que os holandeses foram obrigados a comer os bolbos das plantas por já não terem outra coisa para comer. Relembro aos meus queridos leitores o especial significado de tal acto: os bolbos sempre foram algo muito valorizado pelos holandeses, sobretudo os das tulipas – é reportado que no século XVII, século em que mais uma vez os bolbos viajaram pelo esófago dos holandeses quando da Grande Fome da Holanda, um holandês deu por um bolbo da variedade Vice-Roi 36 alqueires de trigo, 72 de arroz, quatro bois, 12 carneiros, oito porcos, duas pipas de vinho, dois barris de cerveja, duas toneladas de manteiga, mil libras de queijo, uma cama, roupa e uma taça de prata; outro terá dado uma carruagem e 12 cavalos e um terceiro doze acres de terra. Isto faz inveja a qualquer cimeirista.
Mesmo o facto da ementa ter caviar a rechear milho – "bom como o milho" – tem explicação: seria a invocação de uma das atrocidades de Estaline, o Holodomor ou Grande Fome da Ucrânia (então parte da União Soviética) do início dos anos 30. Pois é, isto até parece os momentos de grande pujança do internacionalismo operário, quando depois das intensas manhãs de trabalho e do longo almoço pejado de discussões políticas, os participantes se erguiam e entoavam em coro: "De pé, ó vítimas da fome…"
Até neste pequeno cantinho à beira-mar plantado o problema da fome mereceu tratamento destacado, como o prova a recente intervenção de D. Duarte de Bragança. O chefe da casa real portuguesa sugeriu um novo papel para o Estado no contexto da crise alimentar que hoje vivemos: dar cursos de formação às famílias que não sabem gerir a economia doméstica e que "não sabem planear uma dieta equilibrada", pois "pensam que todos os dias têm que pôr um bife à mesa." Não é esclarecido, mas podemos pressupor que D. Duarte se refere a um bife por pessoa e por refeição. Caso contrário, se se tratar de um bife por dia para uma família de uma dúzia e meia de pessoas até pode sair bem em conta, e a observação perderia todo o seu alcance.
Veja-se, aliás, a evolução que teve o pensamento real: Maria Antonieta, das casas reais francesa e austríaca, em pleno século XVIII sugeria aos parisienses que se queixavam da fome e da falta de pão que comessem brioches. D. Duarte vem agora contrariar esta recomendação anti-económica, pois os brioches são reconhecidamente mais caros que o pão. Mais, o nosso quase-Rei não se fica pela superficialidade da solução do momento, chama a atenção para a necessidade de agir ao nível do capital humano entre as classes desfavorecidas, ao propor que se dê formação sobre o regime alimentar àqueles que passam fome. Revela-se pois um seguidor de Confúncio, recomendando que não se dê peixe, se ensine a pescar, em vez de fazer como o G8, que começa por tirar o peixe e não ensina nada.
Resta-nos, pois, chamar a atenção à classe política mundial para o interesse em, nesta matéria da fome no Mundo, ouvir D. Duarte e reunir o G9, em vez do G8. Pode ser até que D. Duarte os consiga convencer das virtudes do equilíbrio e as ementas passem a ter Sopa de Cação, Amêijoas à Bulhão Pato, Bacalhau à Minhota ou Peixe-espada Grelhado, seguidos de Pudim de Abade de Priscos, Encharcada ou Fidalgo, tudo regado com Água do Luso. Isto certamente elevaria o debate, que mais baixo é impossível.
Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando lhe perguntámos que prato deveria ser servido nas cimeiras do G8, Frederico respondeu: "Aquilo em que se tornou a economia mundial: caldeirada."
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