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22 de Janeiro de 2010 às 11:37

A grande balbúrdia

A luta pelo poder, no PSD, atinge, amiúde, aspectos grotescos. O que me faz reverter para há quase três décadas. Num final de tarde, na Redacção do "Diário Popular", conversava com Jacinto Baptista, grande jornalista e homem de palavra sóbria, porém sarcástica...

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A luta pelo poder, no PSD, atinge, amiúde, aspectos grotescos. O que me faz reverter para há quase três décadas. Num final de tarde, na Redacção do "Diário Popular", conversava com Jacinto Baptista, grande jornalista e homem de palavra sóbria, porém sarcástica. A certa altura, disse-lhe: "Aquilo no PSD vai uma barafunda dos diabos!" O costume, naquele partido, desde as origens até hoje. Jacinto Baptista encolheu os ombros e respondeu. "Isso, é lá com eles!" E eu de acordo. A historieta contei-a inúmeras vezes, sobretudo quando servia os meus intentos. Hoje, não estou bem certo de que as crises daquele ou de outro partido sejam "lá com eles."

As inter-relações entre os partidos correspondem às características das democracias ocidentais. O definhamento e, inclusive, o desaparecimento de qualquer partido desequilibra a balança e debilita a batalha das ideias. Aconteceu em França e em Itália, para falar, somente, na Europa. Mas a tentação totalitária emerge, logo-assim que as formações políticas se ausentam, e em todas as esquinas há um tirano à espera de vez.

O PSD, desde a fundação, é um partido à procura de sentido ideológico. Já o disse e escrevi: Sá Carneiro via-se à nora para atender a todas as fragmentações, e tentar federá-las. Caldeado nos velhos ideais da burguesia nortenha, com padres, fascistas, salazaristas ressentidos, anticomunistas e republicanos nostálgicos, o PSD (então PPD: Partido Popular Democrático, crismado pelo escritor Ruben A.) correspondia à necessidade de se criar uma estrutura política propensa a trepar ao poder, a fim de contrariar a tendência "esquerdista" da sociedade, após Abril. Na melhor das conjecturas, aquela grinalda de opiniões, desejos e sentires poderia ser incluída no quadro dos demo-liberais. De social-democrata, nada tinha. Aliás, para a grande burguesia do Norte, ser social-democrata era ser um esquerdista desalmado. Sá Carneiro tentou, em vão, fazer com que o seu partido entrasse na Internacional Socialista, à época uma representação respeitável e credível. Não deixaram. O PSD matriculou-se, pois, na figuração que lhe estava mais a molde: à Direita.

Esta confusão e esta ambiguidade determina e explica, naturalmente, as "crises" sistemáticas pelas quais tem passado o PSD. Não deixa e ser preocupante, agora, que alguns dos seus mais eminentes "barões" lhe façam o responso e rezem pela sua morte. Esta "crise" partiu de pressupostos errados. A dr.ª Ferreira Leite surgia, aos olhos de um terço dos seus "companheiros" como uma espécie de "endireita o sítio." Não endireitou. Pior: demonstrou que não tinha jeito nenhum para a função, aliás na decorrência do comprovado quando ministra da Educação e ministra das Finanças.

Os outros dois terços estavam entregues a Pedro Passos Coelho e a Pedro Santana Lopes. A intrigalhada fervia. A senhora afastou o primeiro (e Miguel Relvas) do Parlamento, e premiou o segundo com o apoio declarado e descarado à pretensão deste em ser presidente da Câmara de Lisboa. Não quero, neste momento, discretear acerca dos saneamentos da dr.ª Manuela. No entanto, não deixam de revelar um carácter e iluminar o que nos esperava, caso ela amarinhasse a primeira-ministra. Estamos naquela: do mal, o menos; e lá temos de suportar o Sócrates.

Entretanto, com a displicência própria de quem tem mau perder, a dr.ª Manuela é colocada à parte não só pelo primeiro-ministro como por Paulo Portas, nas "negociações" para o Orçamento do Estado. Aos poucos, Portas aproveita-se, e bem, das "crises" do PSD, vai desbaratando o que resta do "maior partido da oposição" e prepara-se para lhe tomar o lugar - o que, sem metáfora, já o conseguiu.

Pedro Passos Coelho, que me parece vir a ser o vencedor da pugna que se aproxima, tem a tarefa mais bicuda que se prevê entre todas as tarefas. Aturar o Santana Lopes; enfrentar o que vai restar das ruínas da dr.ª Manuela; cuidar-se com Aguiar e, sobretudo com Rangel. Qualquer destes amolgou-se na doutrina: dizem-se liberais, o que deixa espavorido qualquer pessoa de bem. Passos Coelho estará interessado em recuperar os princípios "sociais-democratas" e reabilitar a ténue esperança de muita gente desesperada?

Que projecto possui no combate ao desemprego e à precariedade? E a questão da Saúde? E da Educação? E as contas públicas, e a regionalização, e a Justiça, e as políticas sociais e fiscais? E a cultura? Com que equipa está a contar? Algumas destas interrogações constituem parte da organização de Estado, seriamente abalada por um Governo que já não interessa a ninguém.
Porém, que substituto? O actual PSD é uma desgraça pegada que também não suscita nenhuma credibilidade sem fornece nenhuma garantia.


b.bastos@netcabo.pt
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