Opinião
A fome e a vontade de comer
O futuro da Europa é apenas um: um futuro com um novo tipo de europeus, resultado do «melting polt» entre os que cá já estão e os que estão por chegar.
Nas últimas semanas, têm sido constantes as notícias sobre a «vaga» de imigrantes africanos que tentam saltar o muro que separa Marrocos dos enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla, na tentativa de entrarem na Europa. O mais impressionante é que alguns deles, mais desesperados ou afoitos, arriscam a própria vida nesse salto, jogando-se contra os arames farpados numa verdadeira roleta russa, em que o prémio é a entrada no «paraíso» com que sonham. Mas já não são seres humanos que o fazem, apenas animais à procura de um espaço para viver.
Impressiona esta ideia de uma Europa fortaleza, rodeada de muros que a protegem da invasão dos bárbaros, que ameaçam o estilo e a qualidade de vida dos «romanos». E nós, sempre tão politicamente correctos e preocupados com as minorias e com o meio ambiente, tão enojados com a perspectiva de viver ao lado desta gente de cor, que não entendemos e de que, na verdade, temos medo.
E, no entanto, a Europa afunda-se com o envelhecimento da sua população e, por arrasto, leva também ao fundo o seu modelo de Estado providência. Vivemos num curioso paradoxo. A Europa precisa de mais gente, que reponha o seu saldo demográfico e garanta o futuro do sistema de segurança social, que vive daqueles que trabalham e que pagam as reformas de quem já não trabalha. Do outro lado, gente procura a Europa. Mas esta procura e esta oferta não se cruzam e a questão morre, literalmente, nas margens do Velho Continente.
O modelo económico em que vivem os europeus é um modelo socializante, em que a «comunidade» suporta as necessidades dos mais «fracos» - dos que não têm emprego, dos que não têm dinheiro para pagar a sua saúde, dos que já não trabalham e vivem das suas reformas. Para que tanta gente - e cada vez mais, porque a esperança de vida tende a aumentar mais do que o número médio de anos em que se trabalha - receba os seus «justos direitos» é precisa que haja muita gente a trabalhar. E, entre os «velhos europeus» há cada vez menos gente com vontade de trabalhar por pouco salário - é aquela coisa de os restaurantes de Lisboa estarem cheios de brasileiros a servir à mesa, mesmo quando a taxa de desemprego atingir os 7% em Portugal - e menos casais com vontade de terem filhos. Se esta pirâmide demográfica não se inverter nos próximos 10 ou 20 anos, lá se vai o modelo social europeu e todo o modo de vida «aburguesado» em que vivemos.
A Europa tem de iniciar rapidamente uma política de reposição demográfica que junte a fome à vontade de comer. É insustentável continuar a imaginar o rio humano que se dirige para Norte como algo contornável. Mais cedo ou mais tarde, esta gente entra-nos pela porta adentro. Mas é da mesma forma incontornável a necessidade de relançar o crescimento demográfico entre os europeus. Por menos popular que seja o tema junto dos eleitores, os governos têm que iniciar uma política séria de recepção de imigrantes, o que implica, para lá de abrir quotas de imigração, saber recebê-los e integrá-los junto de quem já cá vive. A Europa arrisca-se a deixar de ser branca e cristã, tal como a conhecemos e aprendemos nos livros de história. O futuro da Europa é apenas um: um futuro com um novo tipo de europeus, resultado do «melting polt» entre os que cá já estão e os que estão por chegar. A bem ou mal, mas será assim. E para que as coisas corram pelo melhor, é essencial começar a pensar nisto com seriedade.