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10 de Julho de 2012 às 23:30

A deriva anti-democrática na União Europeia

Três governos num ano, um presidente suspenso e ameaçado de destituição, um primeiro-ministro acusado de plágio, juízes sob ataque do executivo – é esta a paisagem política na Roménia.

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Três governos num ano, um presidente suspenso e ameaçado de destituição, um primeiro-ministro acusado de plágio, juízes sob ataque do executivo – é esta a paisagem política na Roménia.

Os confrontos entre esquerda e direita assumiram este mês extrema virulência quando a coligação do "Partido Social-Democrata" e do "Partido Nacional-Liberal" nomeou novos presidentes da Câmara de Deputados e do Senado, além de substituir o Procurador da República, e suspender em votação parlamentar o chefe de estado.

A coligação de centro-esquerda, liderada pelo social-democrata Victor Ponta, formou governo em Maio depois do executivo de centro-direita de Mihai Ungureanu, que sucedera em Fevereiro a Emil Boc, de idêntica orientação política, ter perdido a maioria parlamentar.

O presidente Traian Basescu, que apoiara as medidas de austeridade acordadas com a UE e o FMI para obtenção de um empréstimo de 20 mil milhões de euros, em 2009, foi na sexta-feira suspenso numa votação parlamentar por 256 votos a favor e apenas 116 contra.

Eleito em 2004, Basescu fora igualmente suspenso pelo parlamento em 2007 por alegada violação da constituição, mas retomou funções após vencer um referendo sobre a sua destituição.

O antigo presidente da câmara de Bucareste foi reeleito com apoio do centro-direita, em Dezembro de 2009, e o apoio à política de redução do défice orçamental de 10% do PIB, que implicou nomeadamente cortes de 15% nos vencimentos da função pública e em pensões de reforma, acabou por lhe valer novo processo de suspensão.

A nova coligação governamental, reforçada por uma vitória nas eleições locais em Junho e à frente das sondagens sobre intenções de voto para as legislativas de Novembro, alegou que Basescu ultrapassara as suas competências que se limitam à nomeação do chefe do governo e às áreas de política externa e defesa.

O referendo sobre a destituição presidencial terá lugar a 29 de Julho e obriga a uma maioria simples dos votos expressos, de acordo com uma revisão legislativa imposta pelo governo de Ponta, estando por definir o número mínimo de votantes entre os cerca de 9 milhões de eleitores.

O governo de Ponta passou ainda a controlar o "Diário Oficial", que era prerrogativa do parlamento, acelerando ou retardando a publicação de legislação, tendo o primeiro-ministro ameaçado destituir membros do Tribunal Constitucional, além de proceder a nomeações para controlo de órgãos de comunicação e do Instituto Cultural.

A ofensiva governamental atingiu igualmente o "Conselho de Certificação de Títulos, Diplomas e Certificados Universitários" que considerou Ponta culpado de plágio na tese de doutoramento em direito.

O vendaval político na Roménia com tentativas de controlo do poder judicial – uma constante desde a queda de Ceausescu em 1989 – , motivou avisos da UE e dos Estados Unidos.

Depois da Comissão, do Conselho e do Parlamento europeus terem evitado recorrer ao art.º 7.º do "Tratado da União" para suspender o direito de voto da Hungria na sequência de graves abusos antidemocráticos perpetrados pelo governo de direita de Viktor Orbán desde 2010 é pouco crível que tal ameaça detenha Ponta.

O processo de subversão antidemocrática na Roménia ainda está numa fase incipiente e assume uma gravidade menor do que na vizinha Hungria, mas na ausência de instituições capazes de travarem os piores abusos, como sucedeu na Itália de Berlusconi, o risco de deriva autoritária é elevado.

A corrupção e disfunções institucionais, sobretudo na área da justiça, contam-se entre as principais razões da baixa capacidade de absorção de fundos europeus (apenas 7,4%) e a virulência dos conflitos políticos vem prejudicar ainda mais o acesso a financiamentos de Bruxelas.

O segundo país mais pobre da UE, a seguir à Bulgária que também ingressou no bloco comunitário em 2007, continuará fora do Acordo de Schengen, e a dependência das linhas de crédito do FMI e da UE será factor de pressão sobre a coligação de Ponta que já se confronta com uma desvalorização acentuada do leu.

A crise do euro tem evidenciado a insustentabilidade da presente arquitectura institucional que peca por défice democrático, mas no âmbito mais lato da União é também notória a falta de princípios políticos e de estratégia para erradicar abusos autoritários em estados membros.

O fracasso do boicote imposto à Áustria, quando os demais 14 estados durante a presidência portuguesa no primeiro semestre de 2000 suspenderam a cooperação e contactos com Viena após o conservador Wolfgang Schüssel ter formado uma coligação com a extrema-direita de Jörg Haider, ainda paira sobre a União Europeia.

Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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