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A candura dos responsáveis

65,4 por cento dos portugueses não acreditam nos políticos. A informação resulta de uma sondagem do «Correio da Manhã» e parece não ter surpreendido ninguém.

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A história recente da democracia que temos fornece-nos a crueldade dos motivos e o retrato das nossas decepções. E as notícias desta semana, sobre o alarmante défice público, mais aumentam os desapontamentos colectivos. Em que cilada tombámos?

Porém, não estamos isentos de responsabilidades. Os políticos estão «lá», porque os colocámos «lá». Eles juram a Constituição, e fazem-nos crer que vão cumprir a palavra dada, sobre a qual, posteriormente, tripudiam – sem serem escarmentados ou punidos. Muita desta gente, que tem trepado ao poder através de estratégias azeitadas com os «aparelhos» partidários, possui da democracia um conceito utilitário. Vai para a «política» a fim de orientar a vidinha, não como exercício das virtudes republicanas.

O poder como prática de benefício pessoal, sede de mando, fome de protagonismo é uma história tenebrosa. Os casos recentes de Isaltino de Morais e Valentim Loureiro são pequenos tropeços num estendal de estatelanços. A gravidade de outros factos, ocultada por ignorância ou omitida por astúcia, torna supletivos aqueles que mais ruído fazem na Imprensa. Mas este é o país que há ou, melhor, aquele que nos é dado ver.

Chegámos ao ponto deplorável em que nos achamos, e o número de portugueses não «representáveis», quero dizer: excluídos, eliminados da vida política e social aumenta consideravelmente. O desprezo pelos «políticos» atingiu níveis de abjecção. A revelação do estado das contas públicas deixou a pátria em estado cataléptico. Mentiram-nos, aldrabaram-nos, trataram-nos como débeis mentais: fomos os bonifrates de manipuladores contumazes, pelo menos desde há vinte anos. No último programa Prós e Contras [RTP, 23 de Maio, p.p.] foi-nos revelado que, afinal, a enormidade do défice era de todos conhecida. E lá estavam alguns dos responsáveis do estado das coisas, expondo a amena candura de quem não tem nada a ver com aquilo.

As decisões tomadas pelo Executivo Sócrates não são socialmente equânimes, nem suficientemente pedagógicas de forma a obterem a aquiescência de largos sectores populacionais. A crispação da sociedade volta a ser pesada ameaça à desejável tranquilidade do viver quotidiano. E as soluções apresentadas serão as únicas? Por outro lado, de que configuração este governo vai salvaguardar o Estado Social, e reproduzir a implicação política que representa?
A questão fundamental está em saber-se que Estado se pretende construir. Que se aspira para Portugal como identidade política? A verdade é que as sucessivas imposturas dos sucessivos governos despojaram-nos da apetência do direito de ter direitos, e afastaram-nos, até ao nojo, de nos reconhecermos como cidadãos, isto é: membros de uma comunidade. Os depoimentos, as declarações, os ofícios de fé produzidos, nos últimos dias, por aqueles que nos governaram, envergonham-nos pelo impudor manifesto. Não me cansarei de o repetir.

E muitos deles têm sido, de uma forma ou de outra, mas sempre sinuosamente, uma espécie de correias de transmissão do mundo da finança. Basta reparar a que grupos económicos têm pertencido – ou a que, ulteriormente vão pertencer. Há algo de inquietantemente semelhante ao passado salazarista, ainda não extirpado dos costumes e dos procedimentos.

APOSTILA 1 – Creio que a Porto Editora ainda não foi distinguida pela Presidência da República pelo excepcional trabalho cultural realizado. Honramo-la nós, e, especialmente, eu, agora. Os dicionários daquela prestigiosa Casa são preciosos instrumentos de trabalho. Humildemente confesso que não preciso de «desks» (sinistra palavra, nobre tarefa), nem de rearrumadores de prosa minha, nem de «editores» que a afeiçoem. As dúvidas que me assaltam esclareço-as no manusear dos dicionários, da Porto, claro!, e no estudo dos Mestres clássicos. Eis porque saúdo, grato e regozijado, a edição do Prontuário, agora no circuito das nossas curiosidades. Dilecto, não hesite: vale muitíssimo a pena adquirir esta excelente publicação da Porto Editora – a cuja gerência entrego a medalha do meu reconhecimento intelectual. Bem hajam!

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