Opinião
A autopsicografia de Cavaco
O “suspense” estava criado. O evento estava na agenda política. Os jornalistas estavam lá todos. Os comentadores haviam treinados a capacidade profética. Cavaco conseguira, mais uma vez ...
O “suspense” estava criado. O evento estava na agenda política. Os jornalistas estavam lá todos. Os comentadores haviam treinados a capacidade profética. Cavaco conseguira, mais uma vez, gerir as expectativas públicas e nem precisou do efeito tabu, que ainda ensaiou, em torno do eventual anúncio de candidatura a Belém.
Não, ontem não foi esse o engodo que levou tanta gente a estar atenta à apresentação do segundo volume da autobiografia política de Cavaco. Esta Parte 2 volta a desiludir quem, como na Parte 1, esperava saber segredos insondáveis da alta e da baixa políticas portuguesas.
Mas o “frisson” repetiu-se, provando a habilidade do professor em, silenciosamente, colocar-se nas aberturas dos telejornais e consolidar a imagem que pretende. Sob os holofotes do poder, Cavaco contou muitas infelicidades na relação com os jornalistas.
Mas na protecção da não-carreira partidária, é líder na criação de factos. Afinal, Cavaco sempre foi um líder do povo, competente e avaro, mas que resiste pouco à auto-imagem projectada – a célebre imagem do trepador de coqueiros é de fazer inveja a qualquer W. Bush de peru plastificado na mão.
O lançamento de ontem serviu para várias coisas. Primeiro, para destilar veneno sobre dois alvos: Mário Soares, o “inimigo de estimação”, acusado de falta de isenção para actuar como contrapoder; Pedro Santana Lopes, o ex-”enfant terrible”, chamado indirectamente de deselegante por antecipar o tema das presidenciais.
Segundo, para revermos os traços estruturais de um político disfarçado de economista. Exemplo é o da revelação da técnica muito própria de Cavaco nos processos de remodelação governamental: uma folhinha rascunhada com nomes, tipo lista caseira e não partilhada de méritos e deméritos de governantes e candidatos a ministros.
Já nos tínhamos esquecido deste orgulho em decidir em costas de envelopes. É disto que o meu povo gosta.