Opinião
A Áustria e o choque vitamínico europeu
Pôr a questão comunitária no coração dos cidadãos é um objectivo tão difícil, quão magnânimo, absolutamente digno do 250º aniversário do nascimento de Mozart que se comemora este ano.
Após o conturbado final da presidência inglesa que conseguiu, apesar de tudo, fechar as perspectivas financeiras, Tony Blair está em apuros no plano interno por causa da cedência no cheque britânico.
Isto demonstra que é muito difícil conciliar os interesses da União com os interesses do país que exerce a presidência.
Neste semestre, a prova de fogo cabe à Áustria, que tem à cabeça o ainda Chanceler Wolfgang Schüssel, protagonista, ele próprio, há seis anos, justamente durante a presidência portuguesa, de um ostracismo sem precedentes que durou seis longos meses . Tudo por causa da aliança governativa com o populista de extrema-direita Yörg Haider, que implicou sanções bilaterais pelos então outros catorze Estados-membros da União.
Schüssel não esqueceu a humilhação e quer reabilitar a sua imagem, sobretudo quando uma sondagem para as próximas eleições de Outono, os Socialistas aparecem como favoritos.
Por isso, o Chanceler austríaco não pode dar grandes guinadas em termos europeus que potenciem mais descontentamentos nos seus concidadãos, sob pena de um fim anunciado na sua carreira política. Sobretudo, quando dois terços dos austríacos consideram, neste momento, negativa a adesão à União Europeia.
Assim, os objectivos desta presidência são particularmente poéticos como o «dar uma dose de vitaminas à Europa» ou «salvá-la em Viena».
A crise de identidade dos europeus é preocupante e, assim, o grande objectivo é aproximá-los de novo da Europa e restituir-lhes a confiança no projecto comunitário. Tarefa magna para seis meses apenas, convenha-se!
Contudo, os austríacos são conhecidos como um povo de grandes diplomatas e nesta perspectiva, vão usar a sua zona de conforto, ou seja, a mediação com o mundo muçulmano, com os novos Estados-membros e os países candidatos com que detêm relações privilegiadas.
Pretendem, mesmo, nesta matéria, tornar-se o país líder na Europa Central e de Sudoeste.
É certo que a Áustria na última presidência inglesa quase impediu a abertura de negociações com a Turquia, tendo conseguido como moeda de troca impor o reconhecimento da Croácia como país candidato à adesão. Contudo, as relações privilegiadas com os Balcãs e o mundo muçulmano faz com que os 200.000 turcos que vivem na Áustria estejam bem integrados e o Islão seja uma religião oficialmente reconhecida desde 1912.
É evidente que também existem objectivos económicos. Seria impossível de outro modo, dado que a Europa nasceu deles e com eles, os quais se encontram numa crise sem precedentes.
Nesta máteria Schüssel propõe aos seus parceiros que invistam, pelo menos cinco por centro do seu produto interno bruto em políticas de investigação que favoreçam o crescimento e o emprego.
A controversa directiva Bolkenstein é retomada com nuances ao propor-se evitar o dumping social, sem querer fazer «renascer o monstro de Frankestein».
Outra prioridade desta presidência é a questão institucional, intimamente ligada ao destino do Tratado Constitucional. Já se percebeu que uma Europa alargada tem que reformar o seu sistema de funcionamento e de deliberação sob pena de paralisia.
Até para se poderem relançar outras políticas de segurança e defesa, de combate ao terrorismo e ao crime organizado, sempre presente, qual espada de Demócles, nos Estados da União.
Porém, desafios maiores como a Europa face à mundialização, ou, mais internamente, como emagrecer um orçamento comunitário obeso de Política Agrícola Comum, são discussões que têm que passar pela resolução da questão institucional, e fundamentalmente pela participação dos cidadãos europeus.
Pôr a questão comunitária no coração dos cidadãos é um objectivo tão difícil, quão magnânimo, absolutamente digno do 250º aniversário do nascimento de Mozart que se comemora este ano.
Contudo, uma bela sinfonia carece sempre de um bom maestro. Votos para que o espírito de tantos génios e melómanos inspirem, a bem do projecto europeu, todos os desideratos desta presidência austríaca.