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A arte resolve o problema

Por vezes surgem conflitos na sociedade portuguesa de tal forma emaranhados numa confusa teia de argumentos políticos, outros técnicos e simples opiniões, que se torna praticamente impossível saber ao certo o que realmente está em causa.

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Recordo, por exemplo, a discussão em torno da co-incineração ou mais recentemente os casos do TGV e da Ota. Quando tal acontece qualquer contributo crítico acaba geralmente por se juntar ao ruído e pouco ajudar ao esclarecimento público. Estou por isso consciente que é esse o risco que corro com este texto. Para além das inevitáveis interpretações maliciosas.

Tem sido no mínimo frustrante assistir à guerra em torno do já famoso túnel de Ceuta no Porto. Do pouco que se entende parece que a Câmara avançou com as obras sem ter garantidas todas as autorizações, prática muito corrente aliás, ao que o IPPAR decidiu, já em fase adiantada das mesmas, ditar um embargo e portanto parar a construção. De qualquer forma o resultado prático é um enorme buraco em frente ao Museu Soares dos Reis, verdadeiro centro da polémica, e um impasse que se arrisca a perdurar por muito mais tempo. Já que tapar simplesmente o buraco como pretende o politicamente ingénuo IPPAR não será nunca uma opção do ponto de vista do governo. Caía-lhe o Porto e parte do país em cima.

Nesse sentido é estranho que ninguém tenha pensado na única solução que não só resolve o problema como pode dele tirar alguma vantagem para o próprio Museu. Pois para além da esgrima política e das desavenças pessoais, sem qualquer interesse para o caso, na verdade está simplesmente em causa uma questão estética. IPPAR e Ministra da Cultura consideram que o túnel prejudica a imagem do Museu, enquanto Rui Rio que não é muito dado às artes só pretende ver os carros a andar de um lado para o outro. As coisas não só são compatíveis como podem vir a representar um benefício para o Museu e para cidade.

A solução parece-me simples. Basta pedir a um artista plástico, arquitecto, designer ou alguém com capacidade de intervenção estética para resolver o problema. Juntando ao túnel algo que não só o atenuaria do ponto de vista visual, como viria a acrescentar ao local um novo elemento artístico capaz de chamar a atenção para o Museu e assim atrair mais visitantes. Tanto mais que esta polémica do desfiguramento do Soares dos Reis tem algo de perverso. Pois este é outro dos nossos importantes museus que existe praticamente na clandestinidade, com uma enorme fachada inóspita, sem qualquer referência exterior digna de uma cidade moderna e totalmente virado de costas para o espaço público que de súbito se tornou tão determinante. Não é caso único. Em Lisboa também o Museu de Arte Antiga foi durante décadas um Museu fechado e clandestino, e só muito recentemente com a nova directora tenham aparecido umas tímidas faixas informativas, a meu ver demasiado pequenas e mal colocadas para o efeito pretendido de atrair turistas e visitantes. Mesmo assim é um passo na boa direcção.

Assim, mais do que eternizar a batalha campal à volta do túnel, é necessário solucionar o problema da relação entre o Museu e o espaço público circundante. Hoje essas questões resolvem-se com recurso à ousadia e criatividade. Por toda a Europa a arte contemporânea tem sido chamada a contribuir para dar visibilidade a Museus e outros equipamentos culturais, sejam eles dedicados ao moderno ou ao antigo. E estejam eles situados em grandes artérias ou em pequenos becos de centros históricos. Desde os embrulhos de Cristo até às enormes intervenções temporárias em fachadas, é cada vez mais corrente assistir-se à colaboração de artistas e outros criativos para transformar espaços e atrair visitantes. Um único critério basta. O da qualidade estética da intervenção, a qual nos países civilizados se faz através de consulta pública, aberta e participada e não tanto recorrendo ao parecer das mafias artísticas locais.

Que em Portugal, entre a Câmara e o Ministério da Cultura, ninguém tenha sugerido uma tão óbvia e simples solução é realmente decepcionante. Tanto mais que hoje todos falam da necessidade de inovar e se apresenta a criatividade como grande desígnio nacional.

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