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A arte em tempo de crise

A FIAC, Feira Internacional de Arte Contemporânea de Paris, que se realiza em Outubro, continua a ser uma das mais importantes do mundo. Ao contrário da Arco em Madrid ou da Frieze em Londres, que se pretendem mais ligadas à chamada "arte jovem", a FIAC é uma Feira de clássicos modernos. Este ano, por exemplo, podiam encontrar-se obras de Picabia, Vieira da Silva, Kirchner, Miró, Fontana, Calder, Warhol ou Picasso

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Por sinal, este último adquirido por um conhecido galerista português.

Esta presença de "valores seguros" garante à Feira de Paris não só uma forte adesão de visitantes como um fluxo comercial considerável, factor fundamental no êxito de uma Feira. Afinal trata-se de um mercado e não de uma exposição como alguns pretendem para disfarçar a falta de vendas.

Dada a crise financeira, existia este ano uma forte expectativa quanto ao resultado em visitas e vendas. Se no primeiro caso é possível confirmar uma ligeira subida do número de visitantes relativamente ao ano anterior, mais de 70.000, já no segundo não existem dados fiáveis. Os galeristas não são fonte segura pois raramente falam verdade e, pelo contrário, habitualmente dizem que tudo corre muito bem quando não vendem e queixam-se quando já fecharam negócios. Contudo é um dado adquirido que tal como sucede noutros mercados, como é o caso do imobiliário, regista-se uma tendência para as transacções de obras de elevado valor e uma estagnação nos valores medianos. Um galerista francês comentou que se vendia bem abaixo dos cinco mil e acima dos cem mil euros mas pouco entre estes valores. Ou seja, esta é uma época de adquirir o que está garantido e fazer algumas apostas na arte mais jovem ou recente.

O mercado de arte tem vindo a ser afectado por dois fenómenos distintos e contraditórios. Por um lado uma baixa efectiva nos mercados tradicionais, com os coleccionadores europeus e americanos a vender mais do que a comprar, e por outro assiste-se à chegada de novos-ricos russos, indianos, chineses, alguns árabes, os quais pela sua quantidade, capacidade financeira e muita ignorância, fazem subir os preços de forma brutal e quase sempre injustificada. Adicionalmente fazem também baixar a qualidade da arte.

Neste sentido, a especulação no mercado de arte não é muito distinta da especulação bolsista, sofrendo do mesmo tipo de instabilidade e de frequentes crises.

Ainda que a maioria dos intervenientes – galeristas, críticos e artistas – desvalorize a relação entre a actual crise financeira e o mercado de arte, é de esperar um forte abalo no sector. Calcula-se que cerca de um terço das galerias venham a fechar nos próximos meses e, paralelamente, se assista à subida de tom no discurso reivindicativo de apoio e subsidiação estatais em nome da criação e da cultura. Desta vez com alguma razão. Se se subsidiam os bancos, por que não a cultura?

Em todo o caso, esta crise deve ser encarada como positiva. O mercado de arte, e em particular a actividade da maioria das galerias, tem assentado em muita fantasia, publicidade enganosa e numa elevada desorientação. Acresce que no caso português as galerias mais promovidas pela crítica e pelos media vivem de subsídios, compras estatais, apoio dos amigos instalados nas instituições, sem terem conseguido após todo este tempo e tanto incentivo criar uma clientela e um interesse efectivo por parte do público. A sua presença nas Feiras Internacionais continua por exemplo a ser subsidiada, ainda por cima num regime de selecção que privilegia compadrios e afasta a concorrência.

É por isso que uma limpeza no sector, mesmo ligeira, deve ser encarada como um facto positivo e clarificador. Tanto mais que a actual lógica tem conduzido a um abaixamento da qualidade da produção artística, cada vez mais invadida pelos efeitos espectaculares, as obras chocantes, sórdidas, idiotas, só para se ganhar alguma atenção e protagonismo.

A arte é uma forma particular de conhecimento baseada na criatividade e na inovação. Precisa naturalmente de um suporte económico para se desenvolver. Mas esse suporte não pode substituir-se ao processo criativo de tal modo que passe a determinar as suas orientações e resultados. A especulação não produz boa arte e, como se vê, muitas das vezes nem sequer bons negócios.

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