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A falsa e a verdadeira polémica sobre as transferências para offshores

É errado, do ponto de vista jurídico, sustentar que a divulgação dos nomes dos bancos de onde foram feitas as transferências para offshores viola o sigilo bancário.

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A discussão pública sobre as transferências para offshores que não foram divulgadas pelo fisco tem um propósito eminentemente político. Prova disso mesmo é o facto de a polémica se centrar na eventual responsabilidade de membros do anterior Governo por tal não divulgação. Ora, o que deveria ser a principal preocupação dos Senhores Deputados, e como tal deveria estar a ser escalpelizado, é saber se o dinheiro que foi transferido foi ou não devidamente declarado para efeitos de tributação. A este propósito, importa notar que, se o dinheiro que foi transferido tiver sido devidamente declarado e tributado, nada de errado ou ilegal aconteceu. Não existe qualquer norma legal que proíba transferências para offshores.

A obrigação legal de os bancos comunicarem ao fisco as transferências para offshores reveste uma natureza meramente informativa, não tendo como propósito imediato a cobrança de impostos relacionados com o dinheiro que é transferido. Sem prejuízo do que antecede, é evidente que o acesso a tal informação permite ao fisco, através de mecanismos de cruzamento de informação, detetar situações de eventual fraude ou fuga ao pagamento de impostos. Mas a capacidade de realizar essa investigação não é prejudicada pela não divulgação pública da informação de natureza estatística sobre o número e o valor total das transferências, estando apenas condicionada pelo eventual não cumprimento pelos bancos da obrigação de comunicação dessas mesmas transferências.

Neste contexto e num segundo plano, os Senhores Deputados e, bem assim, a Autoridade Tributária, deveriam centrar os seus esforços em perceber qual o motivo das incorreções detetadas em algumas declarações enviadas pelos bancos entre 2011 e 2014, conforme relatado nos meios de comunicação social, de modo a apurar a eventual responsabilidade pela violação da obrigação legal a que os bancos se encontravam adstritos de comunicar ao fisco as transferências para offshores. Aliás, este apuramento poderá revelar-se útil para efeitos da investigação acima referida, na medida em que esta deverá começar por aferir se o dinheiro que foi transferido e que não foi objeto da comunicação inicial por parte dos bancos ao fisco foi ou não devidamente declarado para efeitos de tributação.

Por fim, importa ainda referir que é errado, do ponto de vista jurídico, sustentar que a divulgação dos nomes dos bancos de onde foram feitas as transferências para offshores viola o sigilo bancário. O sigilo bancário tem como propósito proteger os clientes, não os bancos. A serem verdadeiros os relatos de que o Banco de Portugal impôs este silêncio ao Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a única interpretação possível é de que, uma vez mais, "interesses superiores" se impuseram, porquanto nem mesmo uma interpretação enviesada da lei permite sustentar tal posição.


Este artigo foi redigido ao abrigo do novo acordo ortográfico.



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