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07 de Agosto de 2022 às 21:00

A eficácia do novo Estatuto do SNS é nula

No seu comentário habitual aos domingos, Marques Mendes fala do novo estatuto do SNS, da crise energética e da aplicação dos fundos do PRR.

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ESTATUTO DO SNS E CAOS NAS URGÊNCIAS

1. Esta lei é uma completa desilusão. O nome é pomposo: Estatuto do SNS. A eficácia é nula. Ao fim de 7 anos de Governo esperavam-se medidas concretas. Afinal, é tudo genérico, tudo abstrato e tudo a regulamentar.
• Médicos saem do SNS para o privado. Solução? Não há.
• Carreiras médicas pouco atractivas. Solução? Não existe.
• Médicos em dedicação plena? Falta saber tudo o que é essencial: quando, como, com que valores e com que incentivos.

2. Tudo isto depois de há precisamente 2 meses se ter instalado o caos nas urgências de obstetrícia e ginecologia. O Governo criou então uma Comissão de Acompanhamento e prometeu um plano de contingência.
• Dois meses depois, a situação está igual ou pior. As medidas do Governo não surtiram efeito. Antes tínhamos um problema: caos instalado nas urgências. Agora, temos dois: o caos nas urgências que se mantém; e a incapacidade do Governo para o resolver.

3. A única medida nova desta lei – a criação de uma Direção Executiva do SNS – constitui um risco enorme.
• Se o Presidente deste órgão for uma personalidade forte e independente, vamos ter, na prática, dois Ministros. O Ministro verdadeiro e oficial que vai a Conselho de Ministros. E o Ministro paralelo, que realmente manda no SNS e que várias vezes pode entrar em choque com o primeiro.
• Se o Presidente desta Comissão for um aparatchic do Governo, não muda nada. Até vai complicar. O que vamos ter são mais cargos dirigentes, mais burocracia, mais tempo perdido.


O CONFLITO GOVERNO/ENDESA

1. As declarações do Presidente da Endesa são incompreensíveis: primeiro, não se percebe a sua intenção, em especial porque ele é um gestor e não um político; depois, porque é a guerra da Ucrânia e não o Governo o culpado pela subida dos preços da energia; finalmente, porque exagerou. Não mentiu, mas exagerou. E o que é exagerado é contraproducente.

2. O despacho do PM, esse, não sendo surpreendente, é, todavia, inaceitável. Não é surpreendente porque António Costa, quando se vê em dificuldades, ataca. E adora atacar grandes empresas. É eficaz e popular. Popular porque atacar o "grande capital" é sempre popular. Eficaz porque desvia as atenções dos problemas de cada momento. Por isso o PM já atacou a Altice, a EDP e a Galp.

Não sendo surpreendente, este despacho é, todavia, inaceitável.

• Primeiro, é uma ameaça a uma empresa privada, na lógica mais autoritária de todas: "Ou se portam bem ou deixam de ser fornecedores do Estado." O Estado Novo acabou, mas o seu espírito mantém-se.
• Segundo, é um atestado de incompetência passado à função pública. Não serve, na versão do PM, nem para verificar facturas, nem para decidir contratos de fornecimento de serviços. Pior era impossível!
• Terceiro, é um atestado de menoridade passado a um Secretário de Estado. João Galamba foi desgraduado. Já havia a versão dos SE transformados em ajudantes; agora, temos os Secretários de Estado transformados em "mangas de alpaca".
• Finalmente, falta esclarecer. Afinal vai haver custos resultantes deste mecanismo? Este ano ou no próximo? Custos maiores ou menores? Isto é que interessa aos Portugueses. Governo e ERSE têm de esclarecer.


A POUPANÇA DE ENERGIA

1. A UE decidiu avançar com um plano de poupança de energia, para acabar com a dependência da energia russa. Já vários países aprovaram os seus planos. Espanha, aqui ao lado, fê-lo esta semana. Portugal remeteu a sua decisão para setembro. Não está fora dos prazos previstos. Mas seria recomendável agirmos com maior rapidez. Até por uma questão de solidariedade europeia.

2. Acresce que há alguns dados relevantes a ter em atenção:
• Primeiro, somos na UE o 11º país mais dependente da importação de energia. É certo que não dependemos da energia russa. Mas importamos muito. Estamos mesmo em pior situação que a média da UE. O que mostra que os investimentos nas renováveis são ainda insuficientes.
• Segundo, os nossos quatro principais fornecedores de energia são: a Nigéria, o Brasil, os EUA e o Azerbaijão. Já tivemos também a Arábia Saudita como grande fornecedor. Estes dados são críticos. Alguns destes países são politicamente instáveis: ou porque são autocracias ou porque se situam em regiões com sérios riscos geopolíticos.
• Finalmente, o nosso Mix Energético. Os dados são claros: dependemos em 44% do petróleo; 29% das energias renováveis; 24% do gás natural; 3% do carvão. É um Mix Energético algo diferente do da UE: aqui, na UE, é menor a dependência do petróleo e há uma percentagem significativa de dependência do nuclear (13%).


ABUSOS SEXUAIS NA IGREJA

1. Foram duas semanas muito negativas para a imagem da Igreja: casos a mais; denúncias a menos; má gestão da comunicação; deslocação do Patriarca a Roma (Nascer do Sol). Sobre esta visita, há que dizer: primeiro, é uma visita que comprova a gravidade do que sucedeu em Portugal; segundo, se o Patriarca pediu ao Papa a resignação só é de elogiar. Prova que é uma pessoa de carácter. Não se agarra aos lugares como costumam fazer os Ministros.

2. A Igreja, para recuperar destas duas semanas, precisa de agir com firmeza em três vertentes: não esconder; não desvalorizar; incentivar a investigação.
• Não esconder significa apostar na verdade e na transparência. Foi o que fez o Papa Francisco. Alguns padres e bispos podem "torcer o nariz". Mas o Papa tem toda a razão. Só a verdade e a transparência dão autoridade moral.
• Não desvalorizar a situação. Claro que Portugal não terá tantos casos de abusos sexuais como sucedeu noutros países. Mas um único caso que seja é grave. Um só padre que abusa de uma criança é um mau exemplo. Se não for sancionado, contamina toda a instituição.
• Incentivar a investigação. O que a Igreja mais deve pretender nesta ocasião é que a Comissão Independente faça um bom trabalho e um trabalho profundo. Antes da visita do Papa Francisco a Portugal, daqui a um ano, o trabalho desta Comissão é um fator essencial para a Igreja reganhar autoridade e credibilidade.


AS NOVIDADES DA BAZUCA

1. O PRR está atrasado ou não na sua execução? Os últimos números, do relatório de monitorização de 27 de Julho, sugerem duas respostas distintas:
• Primeiro, o PRR não está atrasado no volume de contratualização já efetuada. O Estado já contratualizou 6.450 milhões de euros (39% do total da bazuca). E ainda não estamos a meio do seu horizonte temporal (2023).
• Segundo, em matéria de pagamentos, o atraso é significativo. Até ao momento só chegou aos destinatários finais e diretos o valor de 751 milhões de euros (4,5% do total da bazuca). Em qualquer caso, não parece um atraso preocupante. É habitual no início destes processos. A recuperação virá a seguir.

2. E como está a relação Estado/empresas em termos de pagamentos do PRR? Aqui, sim, a diferença é flagrante e preocupante: tudo quanto é Estado tem uma clara vantagem sobre as empresas e as famílias. Isto tem a ver com o "defeito de fabrico" do PRR: discriminou as empresas em claro favor do sector público. Vejamos:
• Estado, autarquias, escolas e universidades receberam até agora 677 milhões (90% do total dos pagamentos efectuados);
• Empresas, IPSS e famílias receberam apenas 74,4 milhões (10% do total dos pagamentos feitos);
• As empresas receberam apenas 13 milhões (1,7%);
• Há um peso excessivo do Estado. E uma discriminação clara contra as empresas.
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