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[347.] Cremes anti-envelhecimento (II)

Há um número mágico nesta alquimia publicitária: todos os testes duram quatro semanas. Mesmo quando têm efeitos no primeiro dia. Porquê quatro semanas? Estará relacionado com a capacidade das embalagens de cremes, implicando a compra de mais do que...

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Há um número mágico nesta alquimia publicitária: todos os testes duram quatro semanas. Mesmo quando têm efeitos no primeiro dia. Porquê quatro semanas? Estará relacionado com a capacidade das embalagens de cremes, implicando a compra de mais do que uma? Não sei dizer. Os testes têm percentagens absurdas, não têm local nem data, nem qualquer forma de verificação. Alguns resultam de "auto-avaliação"; um deles vai mais longe, pois a avaliação foi feita "por um dermatologista". Os resultados dos testes são ciência, sim, mas publicitária.

Essa ciência também passa por indicar processos activos e produtos usados, sendo muito apreciados pelos publicitários os produtos naturais, pois permitem-lhes juntar na mesma frase dos valores cimeiros do mundo actual, a ciência e a natureza: "A ciência Aveeno activa o poder dos cogumelos Shiitake".

Outro recurso publicitário é a linguagem paracientífica, alguma muito imaginativa. Helena Rubinstein promete um "tratamento tensor rescultor" porque a base é "rescultora". A guerra biológica, aliás, a "acção biológica", como a de Vichy, tem efeitos devastadores sobre as inimigas: "A pele estica-se, as rugas retraem-se". As "rugas e rídulas" reduzem-se com Aveeno.

Com L'Oréal, as rugas ficam "atenuadas", a vitória é o "anti-envelhecimento completo". A batalha exige verbos inventados: Sephora "repulpa as rugas". Sim, "repulpa"! A minha ignorância leva-me a imaginar um re-enchimento com o creme que dê à pele a consistência de polpa (não de "pulpa"!), num processo de repolpação que a torne polposa, polpuda ou simplesmente carnuda!

Outro processo publicitário usado foi o recurso a mulheres conhecidas, valorizando os anúncios com o reconhecimento e a "garantia" de eficácia, pois se as famosas usam os cremes e continuam famosas é porque eles resultam. As famosas são Kate Winslet, Linda Evangelista, Bárbara Guimarães, Jane Fonda e Demi Moore (uma das mais artificialmente esculpidas actrizes do mundo - ou "rescultadas", para usarmos a linguagem Rubinstein). Winslet e Moore estão irreconhecíveis, de tal modo parecem ter sido sujeitas ao mais eficaz "lifting" dos tempos modernos, o do "photoshop". O mesmo sucede com modelos para mim desconhecidos escolhidos noutros anúncios: a sua pele é absolutamente marmórea, irreal na sua beleza sem pelos, sem poros, sem gordura, sem sinais, sem rugas, sem "rídulas" (o que é isso?), sem manchas - nada, apenas a suavidade do papel da revista. E, nem por acaso, três dos reclames recorrem a papel de superior qualidade, envernizado, dando à textura física dos anúncios a eterna juventude que eles prometem.

Há um anúncio que se distingue pela imagem: o de Jane Fonda. Julgo que também foi sujeito a algum "photoshop", como outros da marca em que está presente, e a posição da actriz, de pescoço esticado, evita algumas rugas mais. Todavia, vemos Fonda como ela é, septuagenária, com a maravilhosa beleza da idade, dos seus setenta-e-dois anos, com muitas rugas nas faces e nos olhos. Vemo-la em grande plano, ocupando uma página inteira, sem vergonha da idade, orgulhosa dos anos que viveu. Ao pé dela, algumas outras mulheres dos anúncios "anti-rugas", como Demi Moore, parecem "cyborgs", inventadas num gabinete dum Dr. Frankenstein em efeitos digitais. No anúncio de L'Oréal, Jane Fonda, a "velha" de rugas, com um sorriso aberto que acentua as marcas da idade, sugere outro segredo da eterna juventude, a juventude interior que a liberta do sofrimento espiritual associado
ao envelhecimento.

ect@netcabo.pt




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