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[347.] Cremes anti-envelhecimento

O mito milenar da eterna juventude é um dos mais vivos na sociedade contemporânea, como verifico nas páginas de publicidade da revista Máxima: 13 anúncios, ocupando 25 páginas, um terço de toda a publicidade de página inteira da edição de Março, prometem às...

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O mito milenar da eterna juventude é um dos mais vivos na sociedade contemporânea, como verifico nas páginas de publicidade da revista Máxima: 13 anúncios, ocupando 25 páginas, um terço de toda a publicidade de página inteira da edição de Março, prometem às leitoras a vitória sobre o envelhecimento, sobre o próprio tempo, algo que nem Adão e Eva conseguiram no Paraíso, donde foram expulsos. Mas a publicidade tudo pode, até desafiar Deus: "Apague 10 anos na aparência", ordena um anúncio de Estée Lauder, e o photoshop obedece.

Os cremes anunciados nestes reclames pretendem corresponder a este anseio profundo de todos ou quase todos nós, em especial das mulheres, para quem o aspecto exterior do corpo adquiriu desde muito cedo na história social uma importância muito grande na garantia de um estatuto junto dos homens e das outras mulheres.

Todos os produtos destes anúncios são cremes, não só pelas razões físicas da sua aplicabilidade, mas porque é uma forma tradicional da cosmética conhecida das mulheres há milénios. O "tratamento" de "rejuvenescimento" da pele por creme é apresentado como novo por ser não-invasivo do corpo ("lifting cosmético", na definição de uma das marcas), ao contrário dos métodos por agulha, tipo botox. Um dos reclames mostra uma ameaçadora seringa para poder destacar que o creme (Eucerin, da Beiersdorf), "preenche as rugas" "sem injecções". Os dois anúncios de "lipoaspiração" sem violação corporal, presentes na mesma edição da revista, insistem no mesmo ponto.

A promessa da eterna juventude não é obra de banha da cobra de pomadas de feira. Pelo contrário, são alguns dos grandes fabricantes mundiais quem anuncia na Máxima: L'Oréal (três vezes), Estée Lauder, Lancôme, Biotherm, Helena Rubinstein, Vichy, Sephora, Clarins, Aveeno, Beiersdorf e ROC.

O vocabulário dos anúncios promete "combater" as rugas, "preenchê-las", "redefini-las". "Há que atacá-las por dentro", "onde elas se formam", avisa a ROC: esta metáfora de estratégica militar não deixa dúvidas sobre a importância do "combate". A linguagem partilhada pelos reclames conta com a ânsia das clientes-alvo: "sede de juventude?", pergunta Sephora. É preciso reter a água que "retém a juventude". "Rugas prematuras?", interroga Clarins. "Não, obrigada!", é preciso "uma beleza sem idade". Biotherm promete um fantástico "tratamento reversivo anti-idade" para que, pela "acção anti-envelhecimento", se obtenha a "juventude" da pele. Mesmo os batôns, como um de L'Oréal, podem ser "anti-idade". O neologismo, recorrendo à palavra "idade", permite aos anunciantes dessa marca e de Biotherm aliviar o terror associado à palavra "envelhecimento", mesmo quando precedida pelo prefixo "anti-", como nos anúncios das mesmas marcas.

Além deste vocabulário, a que processos publicitários recorrem os 13 anúncios? Usam o que chamo ficção científica. Quase todos incluem referências a "testes" dos cremes, seja "in vitro" (o que não é nada, pois os testes precisam de recorrer a boiões ou tubos de ensaio), seja num número reduzido de mulheres, variando consoante o produto: 43, 25, 53, 32, 132, 117, 51, 112, 50, 41, 177… O anúncio de Estée Lauder não está com meias medidas: diz que o creme resultou em "todas as mulheres" sujeitas ao "teste".

ect@netcabo.pt
(Continua na próxima semana)





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