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11 de Fevereiro de 2010 às 11:48

[344.] Narrativas em anúncios televisivos

Quantos anúncios televisivos contam estórias para sugerir o produto ao espectador? Fiz a experiência com um intervalo publicitário das 21h00 na TVI de segunda-feira. Criei um índice de "intensidade narrativa" com uma escala de 1 a 5. A experiência é útil, porque...

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Quantos anúncios televisivos contam estórias para sugerir o produto ao espectador? Fiz a experiência com um intervalo publicitário das 21h00 na TVI de segunda-feira. Criei um índice de "intensidade narrativa" com uma escala de 1 a 5.

A experiência é útil, porque basta sugerir-se pedaços de narrativa para o espectador poder viver o anúncio como uma estória, que é a uma forma estruturante do pensamento e da vida. O meu teste mostrou que metade dos 24 anúncios do intervalo tinham narrativas evidentes. Estavam estruturados em torno de uma estória. Nos restantes, os fragmentos narrativos eram incipientes, apenas visuais (alguém faz alguma coisa enquanto o texto em off descreve as vantagens do produto) ou eram iscos para a descrição elogiosa do produto. As narrativas mais fortes eram as destes anúncios:

O condutor de um Renault Mégane julga ver no exterior um passado remoto, de tal forma o seu automóvel lhe dá a sensação de modernidade.

Uma mulher mostra em sua casa a amigas pedras que apanhou noutros países como recordação; a embalagem de Brise confunde-se com as pedras.

Dois colegas de trabalho têm uma aventura homossexual usando preservativo.

Uma mulher que usa escova de dentes Oral B leva pela rua agarrada ao corpo uma fita branca que simboliza a limpeza oral que a acompanha todo o dia.

Um empregado de Carglass arranja um para-brisas e o cliente não precisa de lhe pagar no momento.

A voz off de Corporación Dermostetica narra um teste alegadamente realizado a clientes para perda da obesidade.

Um casal está feliz com a criança, dá-lhe um chocolate Kinder, mas entretanto um colega liga para o telemóvel do pai e este simula dificuldades na comunicação porque está a conviver com o filho. Esta narrativa é a mais completa e a que inclui mais elementos sem nenhuma relação com o produto, pois o produto Kinder não se relaciona com pais que trabalhem, recebam chamadas de colegas e recusem falar do trabalho.

É por isso mesmo que o anúncio denuncia a intenção da narrativa: atrair pelo enredo, criar um mundo alternativo que forneça alguma lição. Neste caso, o produto associa-se a um momento de alegria escassa, a do pai que ama o filho, mas trabalha muito, pelo que o casal alivia a consciência da pouca atenção à criança entregando-lhe o chocolate.

As narrativas têm outras propriedades: são compulsivas; não sugerem alternativas. Enquanto um texto de elogio ao produto é facilmente visto como demagógico pelo espectador, uma narrativa apresenta-se como parte do mundo, é assim mesmo, a narrativa é aquela e aquele é o curso que ela tem de seguir.

Narrativas cheias como a do Kinder são frequentes. Um actual anúncio do Modelo, para vender alimentos, coloca em voz off uma mulher dizendo: "a minha cunhada vai adorar" o salpicão de Ponte de Lima, etc. A mesma cadeia evidencia a variedade de produtos narrando os gostos diferentes de dois gémeos, o Pedro e o João. E num anúncio da Cofidis o narrador da estória inventa detalhes preciosos para sugerir a facilidade de aprovação do crédito: estava no intervalo do almoço quando… enquanto via futebol em casa fui à internet e… no dia seguinte estava no jardim zoológico quando recebi uma mensagem a dizer que o crédito estava aprovado.

Não admira que o Tide tenha agora avançado para um anúncio construído como uma telenovela, a estória do quotidiano por excelência. O Tide está associado às novelas desde sempre - as soap operas - e em Portugal uma das novelas radiofónicas de maior êxito nos anos 60 ficou para sempre associada à alcunha popular que recebeu: "A coxinha do Tide".


ect@netcabo.pt



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