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[275.] Massimo Dutti, Dockers

O mito da "mulher que passa" atravessa a cultura urbana desde que se tomou consciência da autonomia da vida da rua e do anonimato do indivíduo no seio da multidão, e do seu consequente valor estético, cultural e erótico. Tem sido um olhar masculino transversal à sociedade, desde o poeta da cidade ao homem das obras.

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As representações da "mulher que passa" são tão vulgares que só mesmo merecem referência as que se destacam, como foi o caso da "miúda da bilha" da Galp ou o a de um magnífico anúncio de Divani & Divani que aqui critiquei em 2004 (*).

Em termos visuais, o que distingue a "mulher que passa"? Ela está em andamento num espaço público e olha de lado. Isso coloca-a na posição de objecto de contemplação; está só, ou é vista só pelo observador, que a singulariza entre a multidão desaparecida da vista. O contacto visual, se chega a ocorrer é fortuito, mesmo quando intenso. É esse o caso do soneto "A uma Passante", de Baudelaire, que já referi mais de uma vez a propósito de anúncios de "mulheres que passam".

Encontrei agora algumas "mulheres que passam" em anúncios da Massimo Dutti, Marella e Naulover. Dos três, o de Massimo Dutti é o que mais se aproxima da concepção "teórica" da "mulher que passa". Ela é vista sem ver, passa na rua, não há mais ninguém. A lente fotográfica usada faz com que a rapariga pareça objecto da focagem concreta por parte do observador, que a olha e esquece todo o desfocado mundo em redor.

Entretanto, surgiu, transformado em imagens, um novo mito da cultura urbana, companheiro deste: o do "homem que passa". A igualdade dos sexos dá à mulher uma autonomia que lhe permite olhar para um homem na rua como objecto erótico, ela passa por ele e tem a mesma autoridade no olhar que ele. O novo "homem que passa" está num reclame de Dockers com grande qualidade estética. A fotografia tem uma iluminação e um colorido muito eficazes. Ele passa debaixo de chuva: mas a água não o distrai, porque a roupa é resistente ao molhado, antes lhe acrescenta um erotismo escondido e inesperado. Este homem que passa poderá ser alvo do olhar, mas mantém o domínio da situação e, portanto, a sua masculinidade.

Entretanto, o anúncio em que o novo conceito do "homem que passa" fica totalmente evidenciado é também de Massimo Dutti. O modelo como que é visto à distância por alguém que está atrás dum vidro (num escritório? Loja? Carro?). Quem olha – o observador do reclame – concentra-se no objecto da atracção com intensidade, pois o homem, devido ao efeito telefoto, parece estar longe e até fica desfocado. A intenção de criar o tipo-ideal do "homem que passa" é tão forte que o reflexo do vidro prejudica a visão da roupa da marca que ele veste. Isto é, o objectivo do anúncio é vender a roupa, não mostrando-a convenientemente, mas pelo conceito de que um homem vestido com a marca observado na rua chama a atenção e se torna objecto de desejo ou de admiração.

Não é tudo, porém. Este reclame do "homem que passa" tem uma nota de distinção face ao da rapariga no anúncio gémeo de Massimo Dutti: é que, se ela olha para o lado, este modelo masculino desafia, olhando frontalmente através do mistério dos óculos escuros, quem se esconde atrás de um vidro: ele manda no olhar e quem se esconde atrás do vidro está numa posição submissa. Tal como o homem do reclame de Dockers, é ele quem domina a relação fortuita dum olhar no meio da multidão. As "mulheres que passam" nos anúncios de Massimo Dutti, Marella e Naulover são olhadas e como que evitam cruzar o olhar com "eles". Pelo contrário, nos anúncios de Dockers e Massimo Dutti para homem, quem "manda ali" são eles. O machismo ainda espreita num mero piscar de olhos. (**)

(*) Essa crítica é o texto nº11 da recolha Mais Anúncios à Lupa, Editorial Bizâncio, 2008.
(**) O artigo da semana passada errava na aritmética: o cartaz do PNR não tinha cinco mas seis "ovelhas negras".

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