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Um caminho por descobrir

A covid-19 veio demonstrar que o desenvolvimento de novas soluções tecnológicas de forma célere e eficaz é também um enorme desafio.

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O contexto pandémico em que vivemos lançou um importante desafio não apenas às comunidades médicas e científicas, mas também aos Estados. Os esforços envidados para identificação de métodos de cura e tratamento têm-se revelado, como expectável, árduos e morosos, anunciando a absoluta necessidade de serem considerados métodos alternativos de prevenção e contenção do contágio da doença covid-19.

Em Portugal, após o fim do estado de emergência e do confinamento, assistimos a um aumento significativo do número de casos. Permanecem por se conhecer a totalidade das medidas a implementar para inverter a tendência que tem marcado negativamente a imagem internacional do nosso país. Objetivamente, o recurso a medidas de cariz tecnológico teria constituído uma solução natural e desejável no momento do levantamento das medidas de contenção. Insistimos em não antecipar tal necessidade.

Discute-se atualmente em Portugal a utilização de tecnologias digitais e de recolha de dados que permitam apoiar as autoridades de saúde pública na monitorização e contenção da pandemia covid-19. Entre estas, encontram-se as aplicações móveis que permitem alertar as pessoas que estiveram em contacto próximo com uma pessoa infetada durante um determinado período, a fim de fornecer informações essenciais, como a necessidade de realização de quarentena e onde devem ser testadas (rastreio de contactos e funcionalidade de aviso).

Ora, é precisamente sobre este tipo de funcionalidades que veio a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) publicar a sua Deliberação/2020/277, onde procedeu à análise da consulta prévia submetida pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Ciência e Tecnologia - INES TEC no âmbito da avaliação de impacto sobre a proteção de dados que realizou à STAY AWAY COVID. A consulta prévia resultou da identificação de um elevado risco para os direitos fundamentais dos utilizadores da aplicação.

Considerando que a Comissão Europeia e o Comité Europeu para a Proteção de Dados, em abril de 2020, já haviam emitido orientações sobre a presente matéria, acreditávamos que a STAY AWAY COVID teria todas as condições para ser aprovada pela CNPD, pese embora o natural escrutínio. Tal não logrou acontecer. Esta tem sido uma realidade em vários países. Na Noruega, a aplicação móvel Smittestopp foi considerada como sendo desproporcional e intrusiva em matéria de privacidade dos seus utilizadores pela Autoridade Norueguesa, pois o tratamento de dados de localização não se afigura como sendo estritamente necessário ao diagnóstico da covid-19. Na Austrália, investigadores de Cibersegurança comunicaram à Agência de Transformação Digital Australiana que a aplicação móvel não funcionaria num determinado sistema operativo, impedindo a recolha de dados e execução das suas funcionalidades. Ou seja, além das questões relacionadas com a proteção de dados, este tipo de tecnologias não tem, em diversos casos, a necessária comprovação técnica.

Recordamos que na Alemanha se tem defendido a implementação da tecnologia desenvolvida pela parceria Apple/Google. Por outro lado, em França, a aplicação StopCovid mereceu o comentário da vice-presidente da Comissão Europeia Margrethe Vestager relativamente à forma como é realizado o armazenamento de dados, contrária às orientações do Comité Europeu para a Proteção de Dados

No caso português, a CNPD evidenciou relutância perante o recurso da STAY AWAY COVID à já conhecida interface do sistema de Notificação de Exposição da Google e da Apple, afirmando que o mesmo está sujeito a modificações e extensões, por decisão unilateral das referidas empresas tecnológicas, sem que se possa antecipar os efeitos que estas alterações podem implicar no que respeita aos direitos e liberdades dos utilizadores. Adicionalmente, a CNPD recomendou que seja dado enquadramento legal para o funcionamento do sistema STAY AWAY COVID. Caberá assim ao INES TEC suprir todas as deficiências devidamente identificadas na Deliberação, mas também aos órgãos competentes suprir as insuficiências legais apuradas.

A covid-19 veio demonstrar que o desenvolvimento e a implementação de novas soluções tecnológicas de forma célere e eficaz é também um enorme desafio, nomeadamente no que respeita à proteção de dados e à segurança da informação. Colocou, ainda, a nu, a extrema incerteza jurídica existente nos Estados-membros, não sendo Portugal uma exceção.

Este artigo foi redigido ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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