Opinião
Notas da semana de Marques Mendes
A análise de Luís Marques Mendes ao que marcou a última semana, naqueles que são os excertos da sua intervenção na SIC.
NOVAS MUDANÇAS NAS ESCOLAS?
Segundo o Expresso, o Governo prepara-se para mudar de novo os curricula escolares, designadamente diminuindo a carga horária das disciplinas de Português e Matemática e reforçando o peso das ciências sociais.
A ser verdade, tudo isto me parece um erro. Sobretudo por duas razões:
Primeira: é um novo factor de instabilidade nas escolas. Eu sei que esta é a mania de todos os governos. Entram em funções e querem logo mudar os curricula escolares. Mas é um erro. Do que as escolas mais precisam é de estabilidade. E, desta vez, ainda com mais razão. Numa altura em que as avaliações internacionais (sobre o PISA) reconheceram grandes progressos no nosso sistema de ensino, a palavra de ordem devia ser consolidar o que existe e não fazer novas experiências.
Segunda: diminuir a carga horária de Português e de Matemática? Sabendo-se que é aqui, nestas duas disciplinas, que os nossos alunos têm tradicionalmente mais dificuldades? É mais um erro.
Em conclusão: continuamos com a mania de ver as escolas como laboratórios de experiências e os alunos como cobaias. E depois há-de vir um novo governo e voltamos a ter novas mudanças. Assim não vamos longe.
A VITÓRIA DO DÉFICE
O défice, afinal, parece que ficará nos 2,1%. É um grande resultado para o país. Se 2,3% já era um bom desempenho, 2,1% é um valor excelente. Melhor do que todas as expectativas. Acima de todas as previsões, incluindo as mais optimistas.
Este resultado tem dois efeitos, ambos positivos:
Primeiro, vai permitir que Portugal saia do Procedimento de Défice Excessivo. Ou seja, deixamos de ser um país sob vigilância e susceptível de penalizações.
Segundo, torna mais fácil, ou menos difícil, atingir o défice de 1,6% em 2017.
Duas ironias:
No passado, o PS acusava o PSD e o CDS de irem além da troika. Agora é o PS que vai além das exigências de Bruxelas. As voltas que a política dá.
A segunda ironia é esta: na semana em que o Governo teve esta grande vitória, a festa passou quase despercebida. Falou-se mais da trapalhada da Caixa, dos sms e de Centeno que do resultado do défice. Prova provada de que o Governo está ultimamente a fazer uma gestão política desastrosa.
PIB A CRESCER?
Duas novas notícias, uma mais positiva que outra.
Primeiro: uma notícia assim, assim. Segundo o INE, o PIB em 2016 cresceu 1,4%. É bom mas está longe de ser brilhante. É menos do que o crescimento de 2016 (1,6%); é menos do que a previsão inicial do Governo (1,8%); e é muito menos do que o PS previa em 2015 (2,4%).
Segundo: uma notícia melhor. Segundo as previsões da Comissão Europeia, Portugal pode ter um crescimento este ano bem melhor e acima mesmo das previsões do Governo (1,6%).
No mesmo dia em que a Comissão Europeia fazia estas previsões e elogiava o nosso país, qual era a grande notícia cá dentro? A Conferência de Imprensa do Ministro das Finanças a tentar explicar as suas trapalhadas com António Domingues.
Ou seja, numa das melhores semanas para o Governo, em termos financeiros, a gestão política de Costa e as trapalhadas de Centeno ofuscaram tudo.
Nota final: em valores absolutos, qual é o nosso PIB em 2016? Cerca de 173 mil milhões de euros? E quanto era, a preços constantes, em 2002, há 14 anos? Cerca de 171 mil milhões.
O que é que isto revela? Que andámos praticamente 14 anos a marcar passo. Ao longo destes anos não crescemos. Estagnámos. Oxalá aprendamos a lição para pensar mais a sério o futuro.
A NOVELA DA CAIXA
Analisemos os vários protagonistas desta novela que tarda em ter fim.
António Domingues – É neste momento o elemento vital. Das suas futuras revelações depende a permanência de Mário Centeno como Ministro das Finanças. O Ministro das Finanças está nas mãos de António Domingues.
E já se percebeu uma coisa: Domingues sente-se traído e quer vingar-se. E está a fazer a sua vingança com uma frieza olímpica. Diz que lhe custa muito divulgar os sms mas está pronto a divulgá-los.
No entanto, já os mostrou ou deixou mostrar a meio mundo, incluindo a vários amigos e a vários jornalistas.
PSD e CDS – Estão a fazer o que é normal a oposição fazer: guerrilha partidária, complicando a vida do Governo e tentando a demissão de Mário Centeno. Se suceder é um tiro no porta-aviões.
Não acredito que ganhem um único voto, mas é legítima esta pressão. Afinal, toda a gente conhece os sms menos o Parlamento. Conhece o PR, o PM, o Ministro, os amigos de Domingues e vários jornalistas. Só não conhecem os deputados. É de mais.
A geringonça – Está unida mas a fazer uma gestão política desastrosa.
Os 3 partidos estão unidos como nunca. Eles percebem que é a maior crise que o Governo teve até hoje.
Mas a gestão que estão a fazer é desastrosa. Eles não percebem que quanto mais adiam o fim da novela mais fragilizados ficam. Porque esta novela ofusca os bons resultados do Governo.
Custa mesmo perceber como é que António Costa teve tanta habilidade para fazer a geringonça e não tem agora o menor dos talentos para acabar com este filme.
Presidente da República – Tem toda a razão na questão de fundo. Sempre defendeu o contrário de Centeno, ou seja, que os gestores da Caixa deviam apresentar as suas declarações ao TC; e o Tribunal veio dar-lhe inteira razão.
Mas devia evitar fazer comentários públicos sobre a questão. Se eu pudesse recomendar, o que lhe recomendaria é que falasse de tudo menos desta novela. Nem uma palavra sobre Centeno, nem sobre o inquérito parlamentar, nem sobre se o caso está aberto ou encerrado. Nada. O silêncio é de ouro!
Ministro das Finanças – Está muito diminuído politicamente. E pode estar preso por arames.
Claro que alguns dizem: esta trapalhada não conta; o que conta são os resultados que Centeno alcançou. Isto faz-me recordar o que há alguns anos se dizia de alguns autarcas menos sérios. Dizia-se: "eles roubam mas fazem obra". Como se fazer obra justificasse ser perdoado no resto.
Pensar assim é um absurdo. Os bons resultados do Ministro das Finanças não o desculpam pelo seu comportamento na Caixa e pela sua fuga ao total esclarecimento.
Em conclusão:
Da direita à esquerda já todos conhecem os sms e todos sabem que comprometem Mário Centeno. Por isso, PSD e CDS querem a sua divulgação para pedirem a cabeça de Centeno; Governo e seus apoiantes querem evitar a divulgação para não perderem o seu ministro.
Tudo isto sucede porque o Governo está sem estratégia, sem agenda e sem gestão política. Suspeito mesmo que novos casos de mau exercício do poder surjam nas próximas semanas ou meses.
Duas ou só uma comissão de inquérito? O ideal era só uma mas se houver duas não é drama. Importante é o esclarecimento.
AS MEMÓRIAS DE CAVACO
Três apontamentos sobre o livro:
Primeiro – Uma boa ideia e uma ideia coerente. Escrever as memórias é uma boa ideia. É um contributo para a análise histórica. E no caso de Cavaco é um exercício de coerência. Ele já tinha feito o mesmo quando foi Primeiro-Ministro.
Segundo – Quanto ao conteúdo, uma nota positiva e outra nem tanto:
Negativa – Acho que há um excesso de Sócrates no livro. Compreende-se porque o livro é muito centrado nas reuniões das quintas-feiras entre o PR e o PM. Mas só Sócrates a mais dá ideia de um ajuste de contas.
Positiva – O que se passou no país entre 2006 e 2011, terminando com a troika, foi mau. Mas sem a intervenção moderadora de Cavaco Silva junto de Sócrates e das suas loucuras teria sido pior. Bem pior.
Terceiro – Uma confirmação e uma surpresa
A confirmação é esta: sempre que temos um Presidente e um Primeiro-Ministro de cores políticas diferentes, o trajecto é sempre o mesmo. Primeiro, lua-de-mel, depois divórcio. Foi assim com Soares/Cavaco. Foi assim com Cavaco/Sócrates. E é assim com Marcelo/Costa. Neste caso só falta saber até quando.
A surpresa é esta: lendo-se o livro, percebe-se que Cavaco e Sócrates divergiam em praticamente tudo. No carácter, na maneira de ser, nas políticas, nas atitudes. Em tudo. Daí a minha surpresa:
Como foi possível que tivessem passado tanto tempo a elogiarem-se um ao outro?
E como foi possível, por exemplo, em 2006 e 2007, que Cavaco considerasse que Sócrates era um PM muito reformista e que Sócrates tivesse elogiado Cavaco pelo seu comportamento impecável.
A VENDA DO NOVO BANCO
Está praticamente assente que o Novo Banco vai mesmo ser vendido à LONE STAR. Estamos agora na recta final. O Governo já deu orientações ao Banco de Portugal para ultimar as negociações, agora em exclusivo com o Fundo norte-americano.
Aspectos essenciais desta venda:
Nesta fase, o Fundo deverá adquirir não a totalidade do capital, mas apenas cerca de 65% do capital (ou um pouco mais);
O Fundo de Resolução deverá manter-se durante mais algum tempo como accionista do Novo Banco, com cerca de 25% do capital. Mas se a DGCOM, em Bruxelas, não aceitar a manutenção do Fundo de Resolução como accionista, poderá ser o Estado, directamente, a assumir essa posição.
Os restantes 10% do capital (ou um pouco menos) poderão ser detidos por empresas ou grupos portugueses que a Lone Star está a convidar. Desde que haja interessados, evidentemente.
Em termos imediatos, a Lone Star compromete-se a meter no Banco, a título de aumento de capital, o valor de mil milhões de euros. Anteriormente o valor estava em 750 milhões.
Durante três anos, a Lone Star não poderá vender a sua participação. Mesmo assim o Fundo americano tem reafirmado que quer ser dono do Banco durante mais tempo.